quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Propaganda de Medicamentos na Mídia de Massa: celebridades e automedicação.

Para que se compreenda melhor a respeito da comercialização e divulgação de medicamentos isentos de prescrição, é importante considerar a Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360, de setembro de 1976 (atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996), onde medicamento ético (com tarja vermelha ou preta) não pode ser anunciado na mídia de massa, restrito apenas às publicações segmentadas aos médicos.
O medicamento de “venda livre” (na maioria analgésicos, antigripais, antiácidos) pode fazer propaganda na mídia de massa e, ser vendido livremente em farmácias e drogarias, isento de receita médica.
Autoridades na área da saúde no país constataram nos últimos anos um alto consumo irracional de medicamentos, sobretudo os de “venda livre”. No Brasil a realidade é que se consome medicamento como produto qualquer, aliás o número de farmácias e drogarias ultrapassa o número de padarias.

A PROPAGANDA DE MEDICAMENTOS E A AUTOMEDICAÇÃO

Não é de hoje que a prática do autotratamento existe, trata-se de herança cultural: dos achados indígenas aos chás da vovó, das receitas caseiras com ervas ou garrafadas regionais até o consumo abusivo de medicamentos “receitados” por amigos e familiares e comprados sem limites em farmácias. O medicamento é um símbolo da saúde. A crença de que existe a total cura das mais diversas doenças nas cápsulas ou pílulas é equivocada, mas persiste há anos. Tal ocorrência é denominada  automedicação.
Sabe-se que a automedicação pode causar reações adversas e efeitos colaterais além de mascarar doenças e problemas de saúde. É alarmante o consumo irracional de medicamentos no país, tornando-o um dos líderes do ranking de automedicação mundial. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, só em 2006 foram registrados 112.760 casos de intoxicação humana com 511 óbitos. Desses, 34.582 foram devidos à intoxicação por medicamentos, gerando 106 óbitos.
A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), define automedicação como o uso de medicamento sem a prescrição, orientação e ou o acompanhamento do médico. (http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/glossario/index.htm).
A herança cultural e a falta de acesso aos médicos já contribuem com o alto índice de automedicação no país e, quando somadas a alta exposição de mensagens persuasivas na mídia, tornam a automedicação um caso de saúde pública. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF) avaliou propagandas de medicamentos veiculadas no Brasil e concluiu que os anúncios não são fontes confiáveis de informação. De acordo com a autora do trabalho, Jussara Calmon Soares, professora adjunta do Departamento de Saúde e Sociedade da UFF, os anúncios omitem e minimizam cuidados e riscos para a saúde e são incompatíveis com o uso consciente e responsável de medicamentos, uma vez que induzem ao consumo de forma “acrítica, abusiva e desnecessária”.
Na opinião de Nascimento (2005, p. 38) “a propaganda de medicamentos nos meios de comunicação de massa é um estímulo frequente para a automedicação, especialmente porque explora o desconhecimento dos possíveis consumidores sobre os produtos e seus efeitos.”
Só os analgésicos respondem por metade do mercado de medicamentos sem prescrição e cerca de 70% da propaganda.
A propaganda de medicamentos no país é Regulamentada e Fiscalizada há décadas. Além do Anexo I, do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, estabelecido desde a fundação do Conar (meados de 1980), existe a Resolução da Anvisa, a RDC 102, de 30 de novembro de 2000, que desde então estabeleceu normas rígidas para a publicidade de medicamentos. Normas essas que incluem os medicamentos sem exigência de prescrição. Nesse sentido, vale ressaltar as exigências nos artigos 10 e seguintes da RDC 102, sempre com a preocupação de não estimular o uso indiscriminado de medicamentos pelo público em geral. Na ocasião, foi instituida a frase de advertência que deveria constar nas propagandas: “Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado”.
A frase tem sido utilizada pela indústria farmacêutica, embora alguns médicos e pesquisadores da área da saúde discordem do uso da frase no final da mensagem no anúncio ou filme publicitário, já que o médico deveria ser consultado antes do uso do medicamento, aliás deveria prescrevê-lo. Outra questão contestável ainda é o tamanho pequeno das letras que compõem a frase em material impresso e o tempo insuficiente da mensagem na propaganda da TV. Questões que a ANVISA tem buscado discutir e que, ao exigir a presença de mais frases de advertência a respeito do medicamento na propaganda, como: “Esse medicamento não é indicado para suspeitas de dengue”, além de coibir o uso de frases no imperativo, como “Tome” e “Use”, visando informar e educar a população brasileiro dos riscos do consumo de medicamentos.  
Mas o que vinha incomodando a ANVISA desde a RDC 102, de 2000 era o uso frequente com mensagens, por vezes, consideradas abusivas feitas por apresentadores de TV, atletas e artistas de novelas. A estratégia criativa adotada por agências de propaganda em medicamentos na mídia eletrônica, sobretudo na TV, ao usar celebridades parecia ser de encenação, mas na grande maioria das vezes o recurso persuasivo utilizado era o testemunhal, o que, indiscutivelmente, leva à credibilidade do produto a ser anunciado. Quem não se lembra da atriz Denise Fraga, tomando Doril e declarando que em poucos segundos sua dor de cabeça tinha sumido? E o Fauto Silva, que em filme publicitário, pedia às pessoas que mudassem como ele, que passassem a tomar Sonridor?
A associação da imagem e do discurso das celebridades aos medicamentos não é um fato isolado na propaganda, mas rotineiro. Em 1952, Pelé no auge da sua carreira fez propaganda para Biotonico Fontoura, ao lado do slogan “receita de campeão”, na Revista O Cruzeiro (BUENO, p 68). E quando se menciona Biotonico Fontoura, é inevitável lembrar de casos como o de Monteiro Lobato, escritor, que como forma de agradecimento pelo bem que o medicamento o fez, criou e cedeu os direitos do personagem Jeca Tatuzinho ao amigo Cândido Fontoura, então responsável pela produção de Biotonico Fontoura.
Já o famoso poeta Olavo Bilac, além de elaborar os anúncios para o xarope Bromil, deu o seguinte depoimento em anúncio no Jornal do Brasil, em 1912 “Srs Daudt e Oliveira, tenho a maior satisfação em declarar que, soffrendo de uma bronchite pertinaz fiquei radicalmente curado com o uso do Bromil.” (BUENO, p 30). E por incrível que pareça, até Padre Cícero, cujo nome era Cícero Romão Baptista declarou a respeito do medicamento Emulsão Jonas, em 1919 “ Attesto o bem da verdade que usei o preparado Emulsão Jonas e também tenho empregado em pessoas da minha família, obtendo sempre os melhores resiltados em casos de anemia, fraqueza, debilidade geral.” (CADENA, p 52).
Quanto ao Pelé, faria ainda muitos outros anúncios, inclusive como garoto-propaganda de medicamentos: Mirador, Vitassay e Viagra. Atualmente é garoto-propaganda também de uma rede de farmácias no litoral paulista.

AS CELEBRIDADES E OS MEDICAMENTOS NA MÍDIA
O discurso persuasivo da propaganda de medicamentos está presente na mídia de massa através de frases, expressões, enfim palavras que produzem efeitos, principalmente quando repetidos em rádios, emissoras de televisão, revistas, outdoors e até no material de ponto de venda (farmácias e drogarias), mas está também na linguagem verbal e visual das celebridades.
Celebridade é uma pessoa amplamente reconhecida pela sociedade. A palavra deriva-se do latim celebritas, sendo também um adjetivo para célebre, ou seja alguém famoso. As agências de publicidade e as produtoras têm um cuidado todo especial ao selecionar a celebridade ao produto, não é diferente quando se trata de medicamento. Um dos aspectos que levam em consideração é o cuidado de não associar à marca uma personalidade volúvel nos relacionamentos, a fim de evitar escândalos. Outro, é procurar celebridades com imagem e qualidades compatíveis com o produto e com a mensagem da campanha, assim como pensar nas características que ligam o garoto-propaganda ao produto.
Guimarães apresenta em seu livro “A Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das Celebridades que dela Participam” a presença constante de artistas na propaganda de medicamentos. Em alguns momentos, interpretam uma cena de dor de cabeça, dor nas costas, azia; em outros, colocam o nome, como no testemunhal, exaltando o medicamento, como se fosse um sabonete ou algo que não pudesse fazer mal à saúde. Guimarães (2007, p. 117) relata o caso da atriz Maitê Proença, garota-propaganda das pílulas anticoncepcionais Microvlar (do escândalo das pílulas inócuas, de farinha, vendidas no mercado), que processou a fabricante Schering do Brasil, pleiteando o ressarcimento pelos prejuízos que sua imagem havia sofrido.
Mas o caso de Maitê seria exceção, pelo o que consta, a regra mostra a grande presença de atletas famosos (Zico, Raí, Pelé, Giba), cantores (Leonardo, Sandy e Júnior, Angélica, Xuxa), apresentadores (Hebe, Ana Maria Braga, Jô Soares, Fausto Silva, Gugu Liberato, Raul Gil, Ratinho) e artistas de novela (Lima Duarte, Luiz Gustavo, Juca de Oliveira, Regina Duarte, Glória Pires e famílias inteiras, como a Goulart) nas propagandas de medicamentos na TV, rádio, revistas, mídia exterior. Para alguns publicitários que trabalham com indústria farmacêutica, isso não parece ser problema, mas solução.
O critério de escolha para essa ou aquela celebridade nas propagandas, sobretudo em propagandas de medicamentos respeita o seguinte raciocínio. A preferência é pelos mais certinhos, bonzinhos, simpáticos na vida pessoal; uma vez que a marca deve estar associada ao famoso que tenha receptividade pelo grande publico. Exemplo de celebridades queridas do público que não apresentam casos complicados na vida pessoal, estão os bem cotados em campanhas, artistas da Rede Globo. Em evidência estão: Grazielli Massafera, Thiago Lacerda, Selton Mello, Rodrigo Santoro, Juliana Paes e os que nunca saem de moda: Marília Pera, Fernanda Montenegro, Antonio Fagundes, Lima Duarte, Regina Duarte.
Para o mundo das celebridades, vale a velha regra da oferta e da demanda: quando todo mundo procura um artista, o preço do cachê sobe; quando as solicitações são mais raras, o contrato sai mais barato. Embora as agências sejam sigilosas em relação às quantias pagas nas campanhas, a estimativa é de que elas variem de R$ 50 mil a R$ 500 mil.
Dudu de Carvalho, responsável por algumas propagandas como as de Doril, Vitassay e Biotonico Fontoura certa vez afirmou que gente famosa traz retorno ao comercial e que, embora o cachê seja maior, o retorno é melhor, porque a lembrança é mais forte. Para ele, o mais interessante é utilizar o ator que está na novela e poder veicular a propaganda do medicamento no intervalo da própria, fato que hoje ocorre com a atriz Maria Clara Gueiros (atriz da novela Caras e Bocas, da TV Globo), em seu depoimento a respeito de Doril; com a atriz Ingrid Guimarães, também atriz da própria novela, ao afirmar no filme publicitário do medicamento ENO, que “Eno é alívio já” e Regina Casé, atualmente com um quadro no Programa Fantástico e, durante o intervalo, na propaganda do medicamento Coristina, que , Segundo ela “Coristina é uma só, mas vale por 3!”
A presença da indústria farmacêutica na mídia de massa é fato evidente. No rádio, a indústria farmacêutica patrocina os locutores líderes de audiência e programas jornalísticos, além de veicularem spots com depoimentos de celebridades; em outdoor, taxidoor e busdoor (presentes em grandes cidades, exceto em São Paulo, por conta da proibição da Lei Cidade Limpa) celebridades dividem o espaço do anúncio com antigripais, analgésicos, antiácidos, vitaminas, xaropes e fortificantes; na TV, artistas famosos interpretam papéis persuasivos em filmes publicitários ou atletas, em depoimentos, afirmam que se curaram por usarem determinado medicamento.  Leonardo cantou em tom sertanejo que a “marvada gripe some com Apracur”, Luiz Gustavo dizia que com Gelmax a azia se vai e o alívio chega e Glória Pires, em horário nobre na TV Globo, finalizava o filme publicitário do analgésico Sonridor dizendo: “Por isso Sonridor é a minha escolha”.  
A grande discussão está no fato da celebridade deixar apenas de assumir um papel de interpretação e assumir o provável papel de médico, que aconselha, indica e prescreve o medicamento. É incontestável que grande parte da população brasiliera atribue um poder de cura aos medicamentos, não importando como o mesmo é consumido (automedicação). Por isso, a questão da presença constante da celebridade em propagandas de medicamentos é polêmica. Artistas recebem cachês altos para representar e não para testemunhar a verdade, fato que já torna o discurso suspeito. Mas a partir do testemunho, a credibilidade do discurso persuasivo passa a ter força e, o artista de televisão, com grande exposição na mídia, pode levar à compra, ao consumo, muitas vezes imediato, fato impulsivo que não deveria ocorrer no caso do medicamento, que não é mercadoria qualquer.
Acompanhando o pensamento da polêmica, percebe-se que as opiniões se dividem. Para o presidente da Giovanni DraftFCB, Adilson Xavier, agência de publicidade responsável pela campanha do analgésico Coristina D, não se pode fazer propaganda com tantas exigências de comunicação e mensagens de advertências tão longas. Já o diretor da Eurscg Contemporânea, Armando Strozenberg, acredita que as medidas da Anvisa estão em linha com as recomendações do Conar, mas há problemas quando se tenta determinar a forma da propaganda, uma vez que para ele isso inclui aspectos não só técnicos, mas ética e liberdade de expressão, o que transcende a competência da agência (http://extra.globo.com/economia/materias/2009/06/15/novas-regras-da-anvisa-para-propaganda-de-medicamentos-entram-em-vigor-nesta-terca-feira-756349645.asp).
Um dos motivos que levou a ANVISA decididamente a repensar o uso de celebridades com discursos abusivos em relação aos medicamentos foi a campanha de Mirador, o comprimido para dor de cabeça que utilizou a TV e outras mídias de massa (como o taxidoor na cidade do Rio de Janeiro, com a imagem de Pelé vestindo uma blusa vermelha com a embalagem do medicamento em sua mão direita, como quem mostra e oferece.). Em 2008, a campanha do analgésico Mirador, com Pelé e a atriz Ísis Valverde, foi proibida pela Anvisa. No anúncio, a atriz dizia que o remédio era "o Pelé dos comprimidos" e usava expressões como "muito bom" e "remédio forte", que segundo a Anvisa sugeriam a eficácia do produto. A campanha foi retirada por desrespeitar o Art.10 da Resolução RDC nº 102, de 30 de novembro de 2000, onde está vedado o ato de estimular e/ou induzir o uso indiscriminado de medicamentos; sugerir ou estimular diagnósticos aconselhando um tratamento correspondente, sendo admitido apenas que sejam utilizadas frases ou imagens que definam em termos científicos ou leigos a indicação do medicamento para sintomas isolados; afirmar que um medicamento é "seguro", "sem contra-indicações"; "isento de efeitos secundários ou riscos de uso" ou usar expressões equivalentes; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito superior a outro usando expressões tais como: "mais eficaz", "menos tóxico" , ser a única alternativa possível dentro da categoria ou ainda utilizar expressões, como: "o produto", "o de maior escolha", "o único" , "o mais freqüentemente recomendado", "o melhor"; afirmar e/ou sugerir ter um medicamento efeito superior a outro usando expressões tais como: "mais efetivo", "melhor tolerado".
A partir de propagandas como a citada anteriormente, a ANVISA entendeu que faltavam limites e que o uso de celebridades com discursos abusivos estavam servindo de incentivo ao autoconsumo de medicamentos, ou seja, se as celebridades não teem qualquer conhecimento médico ou mesmo técnico e farmacêutico, podem sim estimular o uso indiscriminado de medicamentos por parte da população. Por conta dessa preocupação, as novas regras da ANVISA (em Resolução estabelecida em 17 de dezembro de 2008) passam a valer a partir de junho de 2009, dentre outras exigências, que nas propagandas veiculadas pela TV, o próprio ator que protagonizar o comercial do medicamento terá de verbalizar as advertências. No rádio, a tarefa caberá ao locutor ler a mensagem. Para o caso de propaganda impressa, a frase de advertência não poderá ter tamanho inferior a 20% do maior corpo de letra utilizado no anúncio. A norma proíbe também a propaganda em programas destinados a crianças, o uso de merchandising com imperativos “tome”, “use” ou “experimente”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Por um lado a ANVISA e os profissionais da Saúde Pública discutem questões que combatam a automedicação no país, do outro lado a indústria farmacêutica e os publicitários até reconhecem a importância de cuidados com o setor de medicamentos, mas não acreditam que a estratégia da ANVISA seja a mais adequada e reclamam pela falta da liberdade de expressão.
O discurso persuasivo da propaganda de medicamentos está presente na mídia de massa por meio de frases, expressões, enfim palavras que produzem efeitos, principalmente quando repetidos em rádios, emissoras de televisão, revistas, outdoors e até no material de ponto de venda (farmácias e drogarias), mas está também na linguagem verbal e visual das celebridades.
É interessante destacar a configuração da propaganda geralmente figurativa, aonde os personagens, assim como o denominado o garoto-propaganda, ocupam grande parte das mensagens na mídia de massa. A celebridade funciona, muitas vezes, como uma legenda que acompanha - em simultaneidade - a narrativa da peça ou da campanha, imprimindo à mensagem um tom didático ou pedagógico que dissimula o menosprezo às competências interpretantes do receptor, em prol da garantia do entendimento desejado pelo anunciante. Essa função está presente nas propagandas de medicamentos de “venda livre”.
Alguns anúncios de medicamentos veiculados na mídia de massa são pouco atraentes no âmbito criativo e sensorial, mas não deixam dúvidas em suas promessas de curas, sobretudo ao utilizar as celebridades, sejam elas do mundo das telenovelas ou do cenário esportivo, quase sempre testemunhando a favor do medicamento.  A questão da promessa de cura e do milagre e mesmo do fato de ter o depoimento de alguém famoso, remete às raízes da propaganda de medicamentos no Brasil, que sempre prometeu milagres e curas sem cautela, e que atualmente, procura fazer comedidamente por conta da RDC 102.
Quanto à questão ética, atualmente além de não poder utilizar dessa maneira a celebridade, também segundo o Anexo I, referente a produtos farmacêuticos isentos de prescrição do CONAR, não estaria de acordo com os itens: a. não deverá conter nenhuma afirmação quanto à ação do produto que não seja baseada em evidência clínica ou científica; i. não deverá levar o Consumidor a erro quanto ao conteúdo, tamanho de embalagem, aparência, usos, rapidez de alívio ou ações terapêuticas do produto e sua classificação (similar/genérico); j. deverá ser cuidadosa e verdadeira quanto ao uso da palavra escrita ou falada bem como de efeitos visuais. A escolha de palavras deverá corresponder a seu significado como geralmente compreendido pelo grande público.

REFERÊNCIAS
ANGELL, Marcia. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. Rio de Janeiro: Record, 2007.
BUENO, Eduardo. Vendendo Saúde – A história da propaganda de medicamentos no Brasil. Brasília: ANVISA, 2008.
CADENA, Nelson Varón. Brasil – 100 anos de propaganda. São Paulo: Referência, 2001.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FIGUEIREDO, Celso. Redação Publicitária – sedução pela palavra. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
GUIMARÃES, Paulo Jorge S. A Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das Celebridades que dela participam. São Paulo: Edit. Revista dos Tribunais, 2007.
JESUS, Paula Renata Camargo. Os Slogans na Propaganda de Medicamentos. São Paulo: PUCSP, 2008 (tese de doutorado).
LEFÈVRE, Fernando. Mitologia Sanitária – saúde, doença, mídia e linguagem. São Paulo: EDUSP, 1999.
MORTELLA, Ciro. Saúde e Indústria Farmacêutica. São Paulo: Cubzac, 2008.
NASCIMENTO, Álvaro. Isto é Regulação? São Paulo: SOBRAVIME, 2005.
SANTAELLA, Lucia e NÖTH, Winfried. Comunicação e Semiótica. São Paulo: Hacker, 2004.
____________. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.



quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A criança como promotora de vendas da propaganda de medicamentos no Brasil

O consumo acima de tudo
No sistema capitalista as pessoas são incentivadas a consumir, cada vez mais e variados produtos e marcas. Culturalmente fica difícil proibir o consumo ou até mesmo controlar tal consumo. É nesse contexto que a publicidade busca utilizar a sedução e o poder de persuasão, como um poderoso fenômeno comunicacional. “É incontestável que a publicidade consiste em um fato característico da civilização moderna e, portanto, produz e reflete a nossa sociedade.” (Perez, 2004, p. 105). 
Segundo Rocha (2006, p. 86) “Conhecer o significado do fenômeno do consumo passa pelo exame profundo de sua relação com a cultura. E mais, significa pensá-lo em outros termos, perceber que através do consumo, tocamos uma chave essencial para conhecer a própria cultura contemporânea.”
Para entender melhor as questões que envolvem a propaganda de medicamentos no Brasil, é interessante reconhecer que o medicamento é visto como mercadoria comum, assim como qualquer produto, que pode ser adquirido e comercializado em pontos de venda. O que esquecem é que o medicamento, quando consumido em excesso ou de maneira irracional, pode levar à dependência, intoxicação e até à morte. Doentes são tratados como consumidores e o mercado como um verdadeiro negócio.
Para Lefèvre, “O medicamento enquanto símbolo da saúde é a possibilidade mágica que a ciência, por intermédio da tecnologia, tornou acessível de representar, em pílulas ou gotas, um valor/desejo sob a forma de triunfo definitivo, a cura.” (1991, p. 23).
Segundo Nascimento (2005, p. 22), a exploração do valor simbólico do medicamento, socialmente sustentado pela indústria farmacêutica, agências de propaganda e empresas de comunicação, passa a representar um dos mais poderosos instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo. “Os medicamentos passam a simbolizar possibilidades imediatas de acesso não apenas à saúde, mas ao bem estar e à própria aceitação social.”
Existe outro aspecto levantado por Giacomini (1991, p. 106), “a atuação ética da publicidade também é controvertida na área de medicamentos, tanto quando se dirige ao público incentivando a automedicação como diretamente ao médico.”. É de conhecimento público que muitas das ações feitas pela indústria farmacêutica não passa por empresas de marketing, agências de publicidade nem pela mídia de massa, pois são dirigidas aos médicos e farmacêuticos. Ações essas que podem envolver propinas e outras que foram alvo de escândalo na mídia e investigação na CPI de Medicamentos, em 2000.

A imagem da criança vende
Quando se estuda a criança, seja no contexto de comportamento, de consumo, da publicidade, é interessante entender melhor a relação da criança e as fases, ou seja, a faixa etária. Segundo Montigneaux (2003, p.249) “Piaget definiu quatro grandes estágios do desenvolvimento intelectual da criança: sensório-motor (0 a 2 anos); pré-operatório (2 a 7 anos); operatório-concreto (7 a 12 anos); operatório formal (12 a 16 anos).”.
Strasburger (2011, p. 65), em suas pesquisas, levantou dados da criança norteamericana, enfatizando que cada vez mais as crianças influenciam nas compras dos seus pais. Essa atitude tem levado à publicidade reconhecer que as crianças de hoje, sem dúvidas, representam os consumidores adultos de amanhã. Por isso o investimento nelas hoje, pode gerar um consumidor fiel. As crianças desenvolvem lealdade a marcas particulares.
Quando a criança vê outra criança com uma roupa, um tênis, uma boneca, um carrinho, uma bola, imediatamente sente-se no lugar daquela e quer fazer parte daquele mundo, aonde ela também tem, ou pode ter, todos aqueles objetos. Exatamente assim age a publicidade, não obstante se a criança é ou não um consumidor diferenciado, impulsivo, sem uma opinião formada a respeito do querer e poder. Para a publicidade e o marketing, criança é consumidor. Mas pode ir além de consumidor. A criança aos olhos da publicidade é um objeto de sedução nas mensagens voltadas aos adultos.
A imagem da criança utilizada de maneira indiscriminada na publicidade brasileira é um fato. A criança é frequentemente vista como uma oportunidade comercial. Em produtos direcionados a ela ou não. Nem sempre a imagem da criança na mídia se restringe a brinquedos, chocolates, sorvetes, fraldas, xampus, papinhas e leite, ou seja, a produtos que podem trazer algum tipo de benefício a ela.
O século XX foi marcante em mudanças de comportamento, estética, tecnologia e cultura. A criança ocupava um lugar mais voltado, aparentemente, ao que se pode chamar de infância. A presença da criança no mundo adulto era quase nula. Atualmente a presença da criança no mundo adulto é total. A criança não apenas se veste como adulto, manipula aparelhos tecnológicos como adulto, como também conversa e age como adulto. Tais mudanças sociais e culturais passaram a fazer parte da mídia de massa imediatamente. As crianças estão em filmes publicitários para adultos, não apenas como uma estratégia de sensibilização, mas como espelho da realidade. 
 Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é importante que a criança tenha proteção integral também como o amparo físico, material e psicológico à criança e designa a negligência como qualquer forma de desatenção, descuido ou desleixo.
Outro mecanismo constitucional de suma importância para a proteção de crianças e adolescentes contra conteúdos ofensivos é a classificação indicativa, prevista no inciso XVI do art. 21 e no inciso I do § 3o. do Art. 220, ambos regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Mantenha fora do alcance das crianças! A presença dos elementos infantis na publicidade de medicamentos no Brasil

Cada vez mais as crianças têm sido vítimas de um fenômeno conhecido por consumismo, ou seja, pelo ato de consumir produtos, sem saber que podem ser prejudiciais a sua saúde. Até porque as crianças não têm maturidade para saberem o que podem ou não consumir. E é infelizmente de olho na inocência da criança e,
muitas vezes, na desinformação dos pais, que as empresas, por meio do marketing e da publicidade, agem na sociedade de consumo. A publicidade caracteriza-se por sua intencionalidade. De um lado a marca objetiva à venda e à lembrança do produto. Do outro, o consumidor, com suas necessidades, vontades e angústias, recorre à compra de produtos e serviços. Nessa linha de raciocínio, as estratégias publicitárias têm sido cada vez mais sofisticadas e rápidas para influenciar as crianças. O que antes era concentrado em mensagens televisivas, atualmente ocupam também embalagens, material de ponto de venda, ações, jogos na internet e aplicativos em celular. Segundo o professor Yves de La Taille, “não devemos nos esquecer de que a publicidade é um discurso, com frases e imagens [...], fala de algo e de situações que não correspondem a experiências vividas pelo pequeno consumidor cobiçado.” (2008, p. 18). A intenção da publicidade das empresas parece ser bem clara. Mas quando envolve criança, consumo de medicamentos, não pode ser encarada com tanta naturalidade. Parece estranho, mas as crianças estão consumindo cada vez mais medicamentos, sem ter noção do que estão fazendo. De acordo com o Sistema de Vigilância e Acidentes do Ministério da Saúde, a ingestão acidental de medicamentos corresponde a 50% dos acidentes domésticos envolvendo crianças de até nove anos (www.propmark.uol.com.br). Segundo La Taille, a criança não possui desenvolvimento intelectual suficiente para entender o mundo de acordo com discurso publicitário. Portanto a publicidade pode levá-la a cometer erros. Como por exemplo, o de consumir medicamentos, vitaminas, pensando que é bala, doce. La Taille ainda afirma que “as crianças e, em parte, os adolescentes devem ser protegidos e, portanto, é necessária uma regulação precisa e severa do mundo da publicidade para crianças.” (2008. p. 20). Segundo Montigneaux (2003, p. 40), “a visão parcial das coisas e a comparação por analogia conduz a criança, por vezes, a comparação erradas.”. O autor ainda esclarece que se um medicamento tiver a forma e a cor de um bombom, mesmo estando em lugar diferente de onde estaria o bombom, a criança poderá ingerir. Tal esclarecimenhto demonstra o quanto é perigoso utilizar elementos infantis na publicidade, sobretudo na comunicação responsável por divulgar medicamentos na mídia. Portanto, se medicamento deve permanecer longe do alcance das crianças, conforme a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela publicidade de medicamentos no país, o que justifica o enorme número de elementos infantis nas mensagens publicitárias de medicamentos? A partir desse questionamento, o texto visa provocar reflexões a respeito da publicidade infantil e verificar o que a indústria farmacêutica, por meio do marketing e da publicidade, tem feito para atrair às crianças, como provável consumidor do futuro (será que futuro?) de vitaminas e medicamentos. 

Este trabalho foi apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Infância, do 5º Encontro de GTs  - Comunicon, 2015. 
Você pode ler o texto na íntegra em
http://anais-comunicon2015.espm.br/
 

sábado, 19 de novembro de 2016

Ética na Propaganda de Medicamentos no Brasil


Enquanto pesquisadores, acadêmicos, profissionais da área de saúde e comunicação e órgãos que atuam em defesa do consumidor reúnem-se em congressos e workshops em prol da saúde da população, a indústria farmacêutica atua rápido, elaborando estratégias de marketing e utilizando a propaganda como poderosa ferramenta para vender e anunciar os mais variados medicamentos no mercado brasileiro.
Uma das primeiras tentativas para inibir abusos na propaganda de medicamentos e moralizar o mercado, aconteceu em 1940, quando a Constituição ganhou o Decreto-lei nº 4.113, assinado por Getúlio Vargas e pelo ministro da Saúde, Gustavo Capanema. O Decreto-lei regulamentava a propaganda para médicos, dentistas, parteiras, massagistas, enfermeiros, casas de saúde e estabelecimentos congêneres, bem como preparados farmacêuticos. Dentre outras coisas, segundo o Art. 5º “É proibido anunciar, fora dos termos dos respectivos relatórios e licenciamentos, produtos ou especialidades farmacêuticas e medicamentos que tenham sido licenciados com a exigência da venda sob receita médica.” Em Parágrafo único, afirmava que o texto aprovado teria validade em todo território nacional, devendo, porém, o anunciante exibir a aprovação do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina, com respectivos números de ordem e data, quando reclamada pela autoridade competente, ou pelos órgãos de publicidade interessados. No Art. 8º, os anúncios, em geral, poderiam compreender textos educativos. Indicava que o não cumprimento da lei implicaria na intimação do anunciante, que teria um mês para retirar o anúncio de circulação. O laboratório poderia entrar com recurso que seria julgado pelas autoridades sanitárias, ainda dentro de um mês, dando direito ao réu de recorrer à instância superior, em caso de negativa de seu pedido. Se, ainda assim, o anúncio continuasse proibido e não tivesse sido retirado de circulação, o infrator pagaria uma multa que podia variar entre cem mil réis a um conto de réis, inclusive elevado ao dobro em caso de reincidência (BUENO, 2008, p. 87).
Mas de fato, tal moralização pouco intimidou a indústria, que continuou comercializando medicamentos em farmácias sem exigir receita médica e seguiu durante anos prometendo curas milagrosas em suas mensagens publicitárias.
O sintoma capitalista faz-se presente no país por meio de marketing, ou seja, um medicamento vale mais que seu valor terapêutico, já que o invólucro que protege a substância, a embalagem, a distribuição, a propaganda, as promoções, enfim, as ferramentas utilizadas pelo mercado da indústria farmacêutica, o encarecem.
O processo de comunicação utilizado pela indústria farmacêutica envolve, basicamente, duas frentes, a primeira: o consumidor final (a população) com o medicamento de venda livre; a segunda: o setor da saúde, representado por médicos e farmacêuticos. Apenas medicamento de venda livre pode ser propagado à população. Muitos dos laboratórios têm sua própria agência de propaganda (house agency) ou departamento de marketing e propaganda por se tratar de um trabalho sigiloso e se preservar da concorrência de outros laboratórios da indústria.
Se há um grande investimento por parte da indústria em pesquisas, há também em marketing, exemplo disso é que na Pfizer, embora 90% dos responsáveis pela condução da pesquisa sejam cientistas, a equipe é chefiada por profissionais de marketing. Preocupada com a propaganda, a Pfizer utilizou personalidades quando no lançamento do Viagra. Nos Estados Unidos, o conhecido político republicano Bob Dole foi o garoto-propaganda, enquanto no Brasil, Pelé fez esse papel.
Os propagandistas exercem um papel fundamental na divulgação de novos medicamentos, especialmente medicamentos éticos, controlados (tarjados). É uma comunicação interpessoal, junto aos balconistas de farmácia, farmacêuticos, além de dentistas e médicos, em consultórios.  
A Lei nº 6.360 foi responsável por essa divisão entre medicamentos éticos e os de venda livre. Em 23 de setembro de 1976 com o surgimento da Lei nº 6.360 (mais conhecida como a Lei de Vigilância Sanitária, atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996) passou-se a perceber a intenção de se reforçar as exigências legais quanto à regulamentação da propaganda de medicamentos. O Art. 58 dizia que “a propaganda, sob qualquer forma de divulgação e meio de comunicação, dos produtos sob o regime desta Lei somente poderá ser promovida após autorização do Ministério da Saúde, conforme se dispuser em regulamento.” (BUENO, 2008, p.120). Ou seja, a ideia era moralizar, regular e, sobretudo coibir os abusos. Medicamentos sujeitos à prescrição médica (tarja vermelha e preta) teriam a propaganda restrita a publicações exclusivamente distribuídas a médicos, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos. Lembrando que tarja preta para medicamentos psicotrópicos, que causam dependência, e tarja vermelha para os então chamados medicamentos éticos, que legalmente não poderiam mais anunciar na mídia de massa, o que até então ocorria. Enquanto a propaganda dos medicamentos de venda livre, sim, poderia ser veiculada na mídia de massa.
O Decreto nº 79.094 foi considerado um avanço regulatório, embora tenha surgido apenas para referendar a “propaganda ética”, procedimento que a indústria farmacêutica multinacional já vinha colocando em prática há décadas.
Segundo Angell, ironicamente (2007, p. 157), “os laboratórios farmacêuticos são generosos com os médicos nas suas atividades ‘educativas’. Os laboratórios fornecem informações aos médicos e os médicos dão um feedback aos laboratórios...mas o dinheiro só vai num sentido.” A autora faz várias denúncias à indústria farmacêutica e chega a relatar casos onde a indústria se infiltra no meio médico, na mídia (por meio de programas supostamente educativos), se infiltra inclusive na população, como no caso que a autora relata sobre o surgimento espontâneo da população preocupada, por exemplo, com a hepatite C. O movimento cresce e na verdade o que está por trás é a indústria, como a Shering-Plough, fabricante do medicamento Rebetron. Para ela é uma forma de marketing disfarçado de informação. Angell afirma que a indústria patrocina grupos de defesa de pacientes. Casos assim relatados por Márcia Angell aconteceram e ainda acontecem nos Estados Unidos, mas não se deve esquecer que as mesmas indústrias americanas e européias estão presentes no Brasil.
A ANVISA, que procura fiscalizar e regular a propaganda de medicamentos no Brasil, junto ao CONAR, começou a monitorar as propagandas em julho de 2000, quando realizou a primeira autuação, com base na Lei nº 6.360/76. Nota-se a morosidade por meio das datas apresentadas.
O passo seguinte foi dado em 30 de novembro de 2000, com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 102, ou “Regulamento sobre propagandas, mensagens publicitárias e promocionais e outras práticas cujo objeto seja a divulgação, promoção ou comercialização de medicamentos de produção nacionais ou importados”. A partir dessa Resolução, toda propaganda de medicamentos passaria a conter obrigatoriamente a advertência indicando que “AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO”.
Com a Resolução, foi notória uma fiscalização mais atuante. Não apenas um esforço da ANVISA, com um trabalho sistematizado de uma verdadeira “caça” às campanhas enganosas, como do IDEC ao proteger e denunciar abusos, e o próprio CONAR, ao regulamentar e fazer valer o ANEXO I, do Código. Além de algo extremamente importante, que foi a preocupação vigilante da população com um canal aberto no Ministério da Saúde, por meio de telefones e sites.
Em fevereiro de 2004, a Portaria/Anvisa nº 123, criou a Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, de Publicidade, de Promoção e de Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária.
Mas ainda na tentativa de atualizar e moralizar a propaganda de medicamentos no Brasil, assim como a venda irregular e o consumo desenfreado, a ANVISA apresentou novas regras, em Resolução estabelecida em 17 de dezembro de 2008, passando a vigorar em junho de 2009. Dentre outras exigências, a ANVISA entendeu que faltavam limites no uso de celebridades com discursos abusivos. Dircursos que estavam servindo de incentivo ao autoconsumo de medicamentos, já que as celebridades não têm qualquer conhecimento médico ou farmacêutico, porém são dotadas de talento e sabem interpreter, o que passou a ser perigoso ao olhos da ANVISA.
Embora, historicamente, a população corresse risco frente às promessas de cura da indústria farmacêutica, Nascimento (2005, p. 41) comenta que, uma conquista da sociedade brasileira, trouxe impacto à regulamentação do mercado de medicamentos e particularmente da propaganda, foi o Direito de Defesa do Consumidor inscrito na Constituição de 1988. Antes dessa conquista, a fim de relembrar passagens importantes em proteção ao consumidor, Giacomini Filho (1991, p. 36-40) relata que, em 1976, foi concluída a Comissão Parlamentar de Inquérito de Defesa do Consumidor, registrando vários temas, dentre eles medicamentos e indústria farmacêutica. Em 1987, foi criada pelo governo paulista a Secretaria da Defesa do Consumidor, absorvendo PROCON e IPEM e, no mesmo ano, criado o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).
Em 1990 surgiu o Código de Defesa do Consumidor. De acordo com ele, os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não podem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações adequadas e necessárias a seu respeito. O Código proíbe, ainda, a publicidade enganosa ou abusiva. Toda publicidade deve ser clara para que o consumidor possa identificá-la facilmente. O fornecedor deve manter informações técnicas e científicas para provar que a propaganda é verdadeira. Tudo o que for anunciado deve ser cumprido, pois as informações da propaganda fazem parte do contrato.
Portanto, é direito do consumidor informação sobre quantidade, características, composição, preço e riscos que o produto porventura apresente. O Código configura crime contra as relações de consumo, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, qualquer agressão a esses princípios (NASCIMENTO, 2005, p.42). Giacomini Filho (1991, p. 106) lembra ainda que: “[...] a atuação ética da publicidade também é controvertida na área de medicamentos, tanto quando se dirige ao público incentivando a automedicação como diretamente ao médico”. Salienta que muitas das ações feitas pela indústria farmacêutica não passam pelas agências nem pela mídia de massa porque são direcionadas aos médicos e farmacêuticos.

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