segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Do berço ao túmulo. Consumo e Publicidade de Medicamentos no Brasil

O assunto saúde talvez seja o mais comentado, sobretudo por envolver dois aspectos relevantes à condição humana: nascer e morrer.  Doença está relacionada, quase sempre, à dor. A dor talvez seja um dos maiores desafios da medicina, talvez porque tal palavra ultrapasse o seu próprio significado. A dor é vista, muitas vezes, como uma linguagem que o corpo usa para dizer à consciência que algo não está bem.  
Para à Publicidade, o importante é que o consumidor utilize uma marca a vida toda. Nascer e morrer consumindo o mesmo medicamento, é o que interessa à indústria farmacêutica, que investe em publicidade desde sempre. 
Algumas marcas de medicamentos surgiram no início do século passado no Brasil e até hoje atuam mercadologicamente. Algumas marcas seguem a mesma estratégia persuasiva há anos, mesmo com o advento de novas tecnologias e de leis e resoluções reguladoras da publicidade do setor farmacêutico.  São marcas como xarope São João, Emulsão de Scott, xarope Bromil, Biotonico Fontoura e Aspirina, que terão alguns anúncios antigos apresentados durante este trabalho. São anúncios históricos. Até porque foram elaborados por poetas e artistas, em uma época que não existiam as agências publicitárias, tampouco o consumo desenfreado de medicamentos.  A publicidade de medicamentos no Brasil faz parte da história da Publicidade Brasileira. Forte anunciante no Brasil desde o surgimento da mídia, a indústria farmacêutica é poderosa no mundo todo e não seria diferente em um dos países que mais se consome medicamentos no mundo. O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos, Japão, China, Alemanha e França (KEDOUK, 2016, p. 19). Talvez porque no Brasil, os medicamentos sejam, na maioria das vezes, comercializados e divulgados como mercadoria qualquer, embora exista legislação e fiscalização no país. Não se sabe ao certo se o consumo desenfreado dos medicamentos se deve à herança cultural, práticas indígenas ou pela forte publicidade antiga. Mas o fato é que a indústria investe muito em marketing e publicidade, para fazer com que o consumidor brasileiro perceba que está doente e que o medicamento pode resolver todos os seus problemas.  
Segundo o escritor Ricardo Ramos “O Farol da Medicina, de 1909, mostra com seus anúncios o mercado das doenças em voga. A sífilis vinha em primeiro lugar combatida por remédios variados. Seguiam-se os depuradores do sangue, os muitos elixires.” (MARCONDES, 1995, p. 24).  O mercado de medicamentos passava a ter visibilidade por meio da mídia. As últimas capas de revistas passavam a ser ocupadas por anúncios dos medicamentos A Saúde da Mulher, cujo slogan era  
 “infalível nas moléstias das senhoras” e do xarope Bromil, que a partir de 1908 passou a ser escrito em versos, elaborados pelo poeta Olavo Bilac.  A poesia e a arte, assim como os responsáveis pelas mesmas na época, passaram a trabalhar para a publicidade. O anúncio Bromilíadas, de Bromil, elaborado pelo escritor Bastos Tigre, parodiando Os Lusíadas, de Camões, destaca-se como anúncio criativo e ousado.  “A campanha redigida pelo poeta e publicitário Bastos Tigre, com vinheta de Calixto Cordeiro, consta de 1102 estrofes contendo 8816 versos decassílabos, estrofação sempre na oitava rima, a técnica de Ariosto que Luís de Camões consagrou em “Os Lusíadas”.” (Portal Almanaque da Comunicação, 2011).
Segundo Le Goff (1990, p 410), “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.”. Ainda para o autor, “a memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (1990, p. 366). 
A Bayer é  antiga anunciante no Brasil. 
Tanto é que o slogan “Se é Bayer, é bom”, é o mais antigo da publicidade  brasileira e foi elaborado pelo poeta, jornalista e publicitário Bastos Tigre, na Semana de Arte Moderna de 1922 (CAMPANHAS INESQUECÍVEIS, 2007, p. 171).  
A Bayer mantém a Aspirina na mídia até os tempos atuais. A credibilidade da marca conquistou mercados e consumidores pelo mundo todo, no Brasil não foi diferente.  No final do século passado, uma pesquisa realizada pela revista "Newsweek", pedia aos norteamericanos que enumerassem, entre as invenções dos últimos cem anos, aquelas que consideravam indispensáveis às suas vidas. Em ordem, a escolha foi a televisão, o telefone, o automóvel e a Aspirina. Não é difícil de entender a inclusão da Aspirina nesta lista no lugar de outras tantas invenções como o computador, o avião ou até a pílula anticoncepcional, por exemplo. Portanto, com o título de "medicamento mais vendido do mundo", devidamente registrado no “Guinness Book", o livro dos recordes, a Aspirina ultrapassa um consumo anual de 12 bilhões de comprimidos e concorre com mais de 150 marcas de analgésicos diferentes (PORTAL FOLHA DE S. PAULO, 1999). 

Considerações Finais 
Quem não se lembra de anúncios antigos? Na realidade a publicidade faz parte da história de todos os brasileiros. Embora alguns anúncios sejam memoráveis, por vezes memorizados e eternizados na memória do consumidor, é lamentável e perigoso constatar que tantos brasileiros consomem medicamentos, legitimados pela publicidade na mídia, sem saber o que estão consumindo. É o perigo da automedicação. Brasileiros estão em sexto lugar no ranking de maiores consumidores de medicamentos no mundo.  A história da publicidade de medicamentos é tão importante que se mistura com a própria história da publicidade brasileira. Elaborada inicialmente por poetas e artistas, os medicamentos contaram com as ideias e as mãos de poetas como Bastos Tigre, Olavo Bilac e Monteiro Lobato. Fatos que não deveriam jamais sair de nossa memória.  Por outro lado, percebe-se que até os tempos atuais, apesar das mudanças tecnológicas, culturais, sociais, inclusive éticas, a linguagem dos anúncios publicitários de medicamentos, como os de Aspirina, por anos se manteve na mesma linha, com o uso da linguagem coloquial, humorada, popular, e repleta de situações rotineiras do consumidor. Por fim, o trabalho revela que a proposta da publicidade de medicamentos é divulgar os medicamentos como produto qualquer, conquistando consumidores e tornando-os fieis à marca, desde que nascem até à morte. 


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