segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

O Negro na Publicidade de medicamentos no Brasil.

Quando em março de 2019, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira, campeã do carnaval, apresentou o enredo “História para ninar gente grande”, exaltando personagens pouco mencionados nos livros de história do Brasil, em especial os negros, ficou claro que a discussão do negro no Brasil voltaria à mídia.
As frases destacadas no samba-enredo, como: “Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento. Tem sangue retinto pisado. Atrás do herói emoldurado/ Mulheres, tamoios, mulatos”, evidenciaram tamanha injustiça da imagem e memória do negro na história do país.
Naquele momento, por meio de uma das festas midiáticas mais vistas no mundo, a história do Brasil seria apresentada de uma maneira nunca vista nos livros escolares. O negro, novamente seria o alvo. Não o público-alvo da publicidade, mas o alvo de uma discussão que inspirou debates, pesquisas e um novo olhar da história.
A publicidade é intencional e sua função primordial é levar o consumidor ao produto, por meio da mensagem persuasiva. Para tal, a publicidade bebe da fonte do cotidiano, busca retratar as pessoas em seus anúncios, causando empatia. “Por representar o real, o cotidiano dos indivíduos, seus hábitos de consumo, a publicidade tem seu caráter verossímel, parece ser real, mas não é o real, como uma ficção.” (TRINDADE, 2012, p. 39).  Mas se é assim, surge o questionamento: por que o negro quase não aparece na publicidade de medicamentos? Pessoas negras não sentem dor, não compram medicamentos?
A história da publicidade brasileira tem relação direta com a história do país. Em 1800, no tempo do Príncipe Regente, fugido para o Rio de Janeiro por determinação de sua Corte, já existiam anúncios em território brasileiro, inclusive divulgando a venda de escravos e de imóveis.  A publicidade encontrou, portanto, espaços para nascer e crescer, entrando na história e criando sua própria história, em uma trajetória de longa data, transitando por caminhos “de compras e vendas”, literatura, arte, cultura e entretenimento.
as o negro, ah o negro faz parte dessa história. O negro era mercadoria, como todos os escravos. Tal “mercadoria” era anunciada comumente: “Vende-se uma preta ainda rapariga, de bonita figura, a qual sabe lavar, engomar, coser e cozinhar, na Rua do Ouvidor número 35, primeiro andar.” (ibid., p. 16). E outros como: “Fugio um escravo de nome Adão, de idade de 40 anos mais ou menos. Quem o apreender e entregar a seu senhor receberá a gratificação de seu trabalho” .
Segundo Ramos e Marcondes (1995, p. 16) o primeiro anúncio que se tem registro foi de 1809 e dizia o seguinte: “Em 20 de agosto do ano próximo passado, fugiu um escravo preto, por nome Mateus, com os sinais seguintes: rosto grande e redondo, com dois talhos...receberá quem o entregar, além das despesas que tiver feito, 132$800 de alvíssaras”.
Submetidos às lógicas comerciais, escravos no Brasil ocupavam os classificados dos jornais. Segundo Freyre em seu “O escravo nos anúncios dos jornais brasileiros do Século XIX”, indica que quase todos os escravos eram aleijados ou enfermiços não tanto por doenças trazidas da África, mas por “causas nitidamente sociais e brasileiras” (FREYRE, 1979). Abolida em 1888, a escravidão é na verdade uma história obscura. Por meio de Freyre, uma história onde índios e negros sofriam maus tratos e não eram considerados seres humanos. O comércio de escravos envolvia compra, venda, troca, aluguel de escravos, em negócio que movimentou por anos a economia brasileira no século XIX. Os anúncios de escravos veiculados em jornais brasileiros do século XIX revelam a crueldade.
Embora hoje não exista "escravidão", os negros pouco aparecem em publicidade, muito menos na publicidade de medicamentos.
O Brasil é um país miscigenado e multiétnico. País onde se encontram brancos, índios, negros, asiáticos. Um país que se diz não racista, mas que não inclui na sociedade, muito menos na publicidade, o índio e o negro. E aí não se trata mais de minorias. Segundo o IBGE, 53,6% da população é formada por pessoas que se autodeclaram pretos e pardos, ou seja, maioria. 

A história do negro na publicidade brasileira é no mínimo contraditória. Enquanto a publicidade nega a realidade ao utilizar na maioria das vezes brancos em anúncios, o IBGE apresenta dados que comprovam que a população brasileira é na maioria negra.  O negro já foi produto. Os antigos anúncios veiculavam mensagens de compra, venda, aluguel e relatos de fuga dos negros escravos. Maltratados, humilhados, os negros brasileiros não eram considerados seres humanos. Mesmo após o abolicionismo, os negros continuaram sem dignidade e seguiram pela história, pouco retratados em livros e na mídia.
A publicidade ao não retratar o negro em anúncios, rejeita o consumidor negro, pois não o representa em suas mensagens. Para Trindade (2012, p. 45), “A publicidade apresenta em suas narrativas uma memória e uma história da vida privada, cotidiana, idealizada do brasileiro para o mundo e no mundo, do brasileiro para os brasileiros, além de construir modelos que representam a cultura mundializada.”. Nesse sentido não existiria o consumidor negro no Brasil. O negro segue na história pouco retratado, já que não está devidamente representado na publicidade.  Ao analisar almanaques com arquivos de anúncios da Bayer, livros de história da publicidade brasileira, notou-se que o consumidor negro pouco se viu na mídia, sobretudo na publicidade de medicamentos. O ex jogador de futebol Pelé foi a celebridade mais utilizada pela indústria farmacêutica em suas campanhas de vitaminas, analgésicos e medicamento para disfunção erétil. Outra celebridade que fez parte de anúncio de analgésico, foi o humorista Helio de la Peña, ex humorista do programa Casseta e Planeta. Atualmente o negro está representado na publicidade esporadicamente por algumas marcas, mas não aparece em anúncios de publicidade de medicamentos na mídia brasileira.

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