segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

A Publicidade do Medicamento no Ponto de Venda e suas Implicações em Relação ao Consumo

 

Dentro de um sistema capitalista, as pessoas são incentivadas a consumir cada vez mais produtos em pequena ou grande escala. Culturalmente fica difícil proibir o consumo ou até mesmo controlá-lo.

Atualmente, o consumo apresenta-se de maneira diferente. Não que a herança cultural, a história familiar, a influência pessoal e a tradição tenham mudado, porém novos processos passaram a existir. A venda interativa, proteção ao consumidor, possibilidade de conhecer mais sobre o produto antes de adquiri-lo, fez com que o comportamento do consumidor mudasse.

Embora o medicamento seja considerado produto qualquer para uns e não para outros, a exploração do valor simbólico do medicamento, socialmente sus- tentado pela indústria farmacêutica, agências de propaganda e empresas de comunicação, representa um dos mais poderosos instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo.

Remédio ou medicamento? Medicamentos e remédios são palavras utilizadas nas literaturas e na mídia de massa com o mesmo significado, mas não o são. Remédios têm várias formas de apresentação, de práticas religiosas aos medicamentos. Remédios têm uma relação bastante estreita com a cura, seja ela como for. 

O remediar ou atenuar ainda tem uma relação forte com a cultura, ou seja, o povo brasileiro tem como herança indígena a cura por meio de misturas de ervas e práticas empíricas. Medicamentos são em geral compostos químicos sintetizados em laboratórios, ou seja, pela indústria farmacêutica.

Medicamento, segundo Pignarre (1999, p. 52) tem relação com medicamentos da medicina ou medicamentos modernos, os reconhecidos pelo FDA (Food and Drug Administration). O autor também conceitua medicamento de laboratório como efeito de molécula que implica efeito biológico in vitro, assim como noções de estabilizador, inscritor, marcador, arrombador e phármakon

Na sociedade envolvida pelo consumo, as marcas estão diretamente relacionadas às pessoas. Com o passar do tempo, desenvolve-se uma fidelidade à determinada marca, seja por herança cultural seja pela exposição na mídia ou no ponto de venda.

Alguns produtos, assim como os medicamentos, acreditam nas marcas sugestivas para contribuir com a lembrança. Essas marcas sugerem no nome a indicação do produto, como exemplo os medicamentos antidores: Dôrico, Saridon, Dor ex, Doril, além dos slogans que reforçam esse sentido: “Tomou Doril, a dor sumiu”.

Mesmo em tempos virtuais, a atmosfera do ponto de venda contribui e muito para as vendas. A comunicação visual é responsável, muitas vezes, pelo lugar agradável, com placas decorativas, decorações sazonais, fotos de pessoas (prová- veis consumidores), etc.

No Brasil, as vitrines das farmácias e drogarias são ocupadas com cosméticos, uma vez que por questões éticas não podem ser ocupadas por medicamentos. O material de ponto de venda mais utilizado por medicamentos de venda livre é o display. A simples definição de display é que se trata de um mostruário destinado a atrair a atenção do comprador. Os tipos de display são: de chão, de caixa registradora, de balcão, de ponta de gôndola, de prateleira, de linha. 

De um lado a ANVISA e os profissionais da Saúde Pública discutem questões que possam combater a automedicação no país. Do outro a indústria farmacêutica e os publicitários recorrem as mais diversas ferramentas da propaganda e do marketing, em busca de divulgação e vendas. 

O discurso persuasivo da propaganda de medicamentos de venda livre está presente na mídia de massa por meio da exposição das marcas, da divulgação de frases que produzem efeitos, principalmente quando repetidos em rádios, emissoras de televisão, revistas, outdoors. A indústria farmacêutica acredita ainda na força ponto de venda (farmácias e drogarias), um ambiente importante na decisão da escolha e da compra do consumidor. 

Difícil discutir e classificar ética. Não se deveria dar tanta importância à ética do medicamento ético, não ético, de venda livre ou não livre, mas sim de condutas éticas, o que envolve bom senso e atitude coletiva. 

No Brasil, é difícil regular ou controlar os excessos da indústria farmacêutica. Sem dúvida existem brechas em Leis e pouca fiscalização, o que torna a situação fora de controle. As promessas e abusos são constantes e o incentivo à automedicação é uma realidade.


texto publicado na Revista INOVCOM, https://revistas.intercom.org.br/index.php/inovcom/article/view/1600.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

CONSUMO SIMBÓLICO E PUBLICIDADE DE MEDICAMENTOS NO BRASIL: a dor e a cura nos anúncios da Bayer.

Dor, cura e o consumo simbólico

Saúde talvez seja o assunto mais comentado, sobretudo por envolver dois aspectos relevantes à condição humana: nascer e morrer. Doença está relacionada, quase sempre, à dor. A dor talvez seja um dos maiores desafios da medicina, talvez porque tal palavra ultrapasse o seu próprio significado.

Segundo OMS (Organização Mundial da Saúde), saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas ausência de doença ou enfermidade.”

No contexto da atenção à saúde, os medicamentos têm adquirido o status de símbolo de saúde, representando a materialização do desejado “completo estado de bem-estar”(Lefevre, 1991). Medicamentos são considerados na sociedade de consumo, como produtos comuns. Na realidade não deveriam ser tratados como tal. O produto não pode colocar em risco à saúde das pessoas. Consumir medicamentos, sem orientação de profissionais da saúde, é o mesmo que consumir veneno, uma vez que o que diferencia droga (medicamento) de veneno é a dosagem. Parece assustador, e realmente é.

A publicidade e o ponto de venda (farmácias e drogarias) incentivam à automedicação. Portanto, ocorre que a grande maioria da população brasileira tem acesso à publicidade, ao ponto de venda e ao medicamento, mas desconhece como e quando deve ser consumido. É o consumo irracional e indiscriminado. Muitas vezes o que é divulgado como o responsável pelo alívio imediato, pode levar a outras doenças e à morte.

Segundo a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pertencente ao Ministério da Saúde) o medicamento é considerado o meio rápido para a resolução de problemas de diversas origens. “O controle dos corpos e a cultura da medicalização em uma sociedade que funciona de uma forma mais prática, pode fazer com que muitas vezes as pessoas sintam que precisam se automedicar.”(BVSMS, 2019). Fato preocupante, uma vez que o Brasil está entre os países onde mais se consome medicamentos no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Japão, China, Alemanha e França (Kedouk, 2016, p. 19). 

O Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, organizado pela própria ANVISA, apresenta números espantosos. Em 2017, as empresas movimentaram mais de R$ 69,5 bilhões com a venda de mais de 4,4 bilhões de embalagens de medicamentos. Medicamento então não deveria ser submetido às lógicas comerciais. E isso está longe da intenção de remediar ou amenizar a dor das pessoas.

Mas não é de hoje que a prática do autotratamento existe no país. Trata-se de herança cultural. Para amenizar a dor, são utilizados desde achados indígenas, chás e receitas caseiras com ervas, garrafadas regionais até o consumo abusivo de medicamentos comprados sem limites em farmácias.

O medicamento é um símbolo da saúde. A crença de que existe a total cura das mais diversas doenças nas pílulas é uma realidade. Sabe-se que a automedicação pode causar reações adversas e efeitos colaterais além de mascarar doenças e problemas de saúde. A herança cultural e a falta de acesso aos médicos contribuem com o alto índice de automedicação no país e, quando somadas a alta exposição de mensagens publicitárias na mídia, tornam a automedicação um caso de saúde pública.

Para Nascimento (2005, p. 22), a exploração do valor simbólico do medicamento, socialmente sustentado pela indústria farmacêutica, agências de propaganda e empresas de comunicação, passa a representar um dos mais poderosos instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo. “Os medicamentos passam a simbolizar possibilidades imediatas de acesso não apenas à saúde, mas ao bem estar e à própria aceitação social.”

Segundo Lefevre (1991, p. 18) “o objeto medicamento, na formação social brasileira, não é uma, mas pelo menos, três coisas: um agente quimioterápico, uma mercadoria e um símbolo.”. E o que é mais preocupante, as três coisas ao mesmo tempo.

O aspecto simbólico é reforçado também no comportamento do consumidor. Pois o medicamento acompanha gerações das famílias. E nesse sentido, o valor do medicamento está além de seu preço e de sua função, é “prescrito” por avós, pais e mães sem qualquer orientação médica. A publicidade e o marketing investem alto nessa fidelização da marca. E mais perigoso ainda é que medicamentos viciam, ou seja, medicamento não é produto qualquer.

 

Publicidade de Medicamentos no Brasil

A publicidade é intencional e sua função primordial é levar o consumidor ao produto, por meio da mensagem persuasiva. Para tal, a publicidade bebe da fonte do cotidiano, busca retratar as pessoas em seus anúncios, para gerar empatia. “Por representar o real, o cotidiano dos indivíduos, seus hábitos de consumo, a publicidade tem seu caráter verossímel, parece ser real, mas não é o real, como uma ficção.” (Trindade, 2012, p. 39).

Na lógica da Publicidade, o importante é que o consumidor utilize uma marca a vida toda. Nascer e morrer consumindo o mesmo medicamento, é o que interessa à indústria farmacêutica, que investe em publicidade desde sempre. 

A história da publicidade brasileira tem relação direta com a história do país.  A publicidade de medicamentos nasce da necessidade, ou seja, a busca pela cura e a oferta de milagres. Em 1827, os remédios anunciaram no Jornal do Commercio, e nunca mais deixaram a mídia de massa (Bueno; Taitelbaum, 2008, p. 18).  Mas foi a partir de 1850 que os versos e as rimas passaram a fazer parte da linguagem publicitária brasileira. Somente com a conhecida “poesia do comércio”, os anúncios passaram a ocupar espaço em cartazes de bondes, jornais, revistas, enfim, nos meios de comunicação de massa (Jesus, 2008).

A indústria farmacêutica instalou-se no Brasil muito cedo e passou a investir em todos os tipos de anúncios: dos cartazes em bondes, aos anúncios de revista, anúncios em jornais e outdoors. O grande anunciante do setor, a empresa alemã Bayer fez  campanhas regulares na mídia. A Bayer destacava-se pela originalidade dos textos e qualidade gráfica dos anúncios. Sua principal estratégia era associar seus medicamentos às palavras: original, puro, científicos. Eram muitos os anúncios da Bayer para os seus medicamentos. Anúncios no Brasil por poetas, escritores e ilustradores. Por sinal, foi o escritor Bastos Tigre o responsável pela elaboração do slogan “Se é Bayer, é bom”, durante A Semana de Arte Moderna, de 1922. Slogan que a marca utiliza há quase um século.

Diferentemente do que ocorria em antigos anúncios de medicamentos, onde as marcas prometiam alívio imediato, sem qualquer controle da veracidade das mensagens, atualmente a publicidade de medicamentos é Regulamentada e Fiscalizada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). 

A Resolução da Anvisa, RDC 102, de 2000, estabelece normas para a publicidade de medicamentos. Normas essas que controlam o que deve conter nas mensagens publicitárias e o que não pode conter nos anúncios, inclusive nos medicamentos sem exigência de prescrição (OTC), que são os que têm permissão de veicular na mídia ao consumidor final.  Não parece ser tarefa fácil fiscalizar tantas mensagens, sobretudo no meio digital. Até porque as estratégias de marketing são muito mais ousadas e velozes do que as Resoluções e fiscalização.

Considerações finais

O presente artigo resgatou conceitos de Comunicação e Saúde e constatou que a publicidade de medicamentos faz parte da história da publicidade brasileira. A indústria farmacêutica atravessou anos como poderoso anunciante na mídia. Anúncios de medicamentos, de diferentes formatos, veicularam durante décadas promessas de cura. A estratégia de mostrar pessoas sofrendo e o medicamento como grande salvador era mensagem comum na mídia brasileira. A herança cultural e a influência da mídia são fatores responsáveis pelo alto consumo de medicamentos por parte dos brasileiros. O pouco acesso à saúde e a facilidade em adquirir medicamentos em farmácias, fez com que o brasileiro passasse a se automedicar. Atualmente o mercado farmacêutico está entre os seis do mundo. Os laboratórios investem mais em marketing e publicidade do que em pesquisas. O medicamento e a saúde estão submetidos às lógicas comerciais. Medicamento faz parte do consumo simbólico. Ou seja, medicamento enquanto produto, representa o alívio à dor de cabeça, à cura da gripe, à cura da depressão. A publicidade legitimou esse poder do medicamento, prometendo milagres de cura. Mesmo atualmente com Resoluções e fiscalização da ANVISA e CONAR, as mensagens publicitárias continuam apresentando a dor como vilã e o medicamento como salvador. A linguagem verbal e visual nos anúncios antigos de medicamentos da Bayer, demonstram que prometer, ameaçar, exagerar, era algo comum para a época, e não representavam desrespeito, perigo, incentivo à automedicação, nem abuso ao consumidor.

Por fim, o trabalho revela que a proposta da publicidade de medicamentos no Brasil é conquistar consumidores, não  necessariamente em busca do alívio à dor, tornando-os fieis à marca, do nascimento à morte.

 

Bibliografia:

Bueno, E. (2008). Vendendo Saúde: A história da propaganda de medicamentos no Brasil.

        Brasília: ANVISA, p 90-107.

Jesus, P. R. C. (2008). Slogans na propaganda de medicamentos. Um estudo transdisciplinar: Comunicação, Saúde e Semiótica. Tese de doutorado, PUC, São Paulo, SP, Brasil.

Jesus, P. R. C (2014). Criação publicitária: conceitos, ideias e campanhas. São Paulo: Mackenzie.

JESUS, P.R.C. Do berço ao túmulo. Consumo e Publicidade de Medicamentos no Brasil (2018). Recuperado en: 12 de maio, 2020, de http://anais-comunicon2018.espm.br/encontroPos.aspx.

Kedouk, M. (2016). Tarja Preta. São Paulo: Abril.

Lefèvre, F. (1991). O medicamento como mercadoria simbólica. São Paulo: Cortez.

Lindstrom, M. (2009). A lógica do consumo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p.114-123.

Nascimento, A. (2005). Isto é Regulação? São Paulo: Sobravime, p. 21-31.

Pinto, Z. A. (2005). Reclames da Bayer: 1911 – 1942. São Paulo: Carrenho Editorial.

TRINDADE, Eneus (2012). Propaganda, identidade e discurso. Brasilidades midiáticas.       Porto Alegre: Sulina.

Uso de Medicamentos e Medicalização da vida: recomendações e estratégias (2018). Recuperado en: 11 de agosto, 2020, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/medicamentos_medicalizacao_recomendacoes_estrategia_1ed.pdf.


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