segunda-feira, 24 de abril de 2023

Publicidade de Medicamentos no Brasil atual. O caso “Garoto Cloroquina”

Não é de hoje que a doença está associada a todo e qualquer mal da humanidade.

2020 ficará marcado para sempre como “o ano da pandemia” (COVID-19), sinônimo de “doença sem cura”, “dor sem remédio”, “doença do século”, “garoto Cloroquina”. Sim, “garoto Cloroquina”.

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de COVID-19, doença causada pelo coronavírus (Sars-Cov-2). O termo pandemia se refere ao momento em que a doença já está espalhada por continentes, com grande transmissão entre as pessoas. "Pandemia não é uma palavra para ser usada de maneira leviana ou descuidada. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou aceitação injustificada de que a luta acabou, levando a sofrimento e morte desnecessários". Palavras ditas por Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS (PORTAL GLOBO, 2020). 

Saúde talvez seja o assunto mais comentado, sobretudo por envolver dois aspectos relevantes à condição humana: nascer e morrer. Doença está relacionada, quase sempre, à dor. A dor talvez seja o maior desafio da Medicina, talvez porque tal palavra ultrapasse o seu próprio significado.  
O medicamento se tornou um símbolo da saúde. A crença de que existe a total cura das mais diversas doenças nas pílulas é uma realidade. Sabe-se que automedicação pode causar reações adversas e efeitos colaterais além de mascarar doenças e problemas de saúde. A herança cultural e a falta de acesso aos médicos contribuem com o alto índice de automedicação no país e, quando somadas à alta exposição de mensagens publicitárias na mídia, tornam à automedicação um caso de saúde pública. 

O aspecto simbólico é reforçado também no comportamento do consumidor. Pois o medicamento acompanha gerações das famílias. E nesse sentido, o valor do medicamento está além de seu preço e de sua função, é “prescrito” por avós, pais e mães sem qualquer orientação médica. 

A publicidade e o marketing investem alto nessa fidelização da marca. Medicamento é um grande negócio. 
O uso de personagens ou garoto-propaganda é uma estratégia muito comum em Publicidade. Na publicidade de medicamentos não seria diferente. Desde personagens como Jeca Tatuzinho criado por Monteiro Lobato para Biotonico Fontoura, as abelhinhas de Melagrião, o testemunhal de Olavo Bilac para o xarope Bromil até os tempos atuais, onde as celebridades não podem mais indicar que usam ou que o consumidor use determinado medicamento na mídia. A história da publicidade brasileira é recheada de casos de garoto propaganda de medicamentos. O analgésico Doril sempre utilizou apresentadores e artistas famosos de novelas em seus filmes publicitários (JESUS, 2008). 

Como em qualquer estratégia pensada e planejada pela publicidade, o mercado farmacêutico teve que se adaptar às exigências legais.
O discurso persuasivo do medicamento, sobretudo se for de uma marca conhecida e reconhecida (por exemplo fabricante de laboratório tradicional, marcas que seguem gerações) é relevante. Assim como, geralmente, o paciente não contesta seu médico, por acreditar na sua palavra, surge o que a filósofa Marilena Chauí, coloca no seu livro “Cultura e Democracia”, como Discurso Competente, que seria o discurso que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro, autorizado. O médico tem um certo poder sobre o paciente, um verticalismo existente entre quem tem o poder de falar e quem não tem. Assim como o que é científico e o que é popular (JESUS, 2008). 

Em meio à pandemia, um novo garoto propaganda surge na mídia brasileira, o presidente do Brasil: Jair Bolsonaro. O presidente passou a aparecer na mídia como o salvador da Pátria, ao indicar, “prescrever” e incentivar o consumo do medicamento Cloroquina e Hydroxicloroquina. Em julho de 2020, após afirmar que estava com coronavírus, o presidente intensificou a propagação da Cloroquina. “Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (SINDUSFARMA), o consumo de Cloroquina pelos brasileiros cresceu 358% durante a pandemia.” (PORTAL YAHOO, 2020). O aumento da procura pelo medicamento no Brasil, não aprovado no tratamento para COVID-19 pela Organização Mundial de Saúde, se deu pela divulgação de Bolsonaro e impulsionou os negócios de cinco laboratórios autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a produzir o medicamento no país. O governo passou a acelerar a produção da hidroxicloroquina no laboratório do Exército. (PORTAL YAHOO, 2020). 

O discurso publicitário presente na fala das personalidades, ao afirmarem que consomem o produto, assim como o discurso do alívio imediato, promessa propagada por anos pela indústria farmacêutica, novamente podem ser comparados ao de Bolsonaro. "A reação foi quase imediata. Poucas horas depois, eu já tava me sentindo muito bem". A promessa de bem estar, de cura, presente na fala do garoto-propaganda incentiva ao consumo. 
As informações sobre medicamentos devem ser comprovadas cientificamente e somente é permitida a publicidade de medicamentos regularizados. E na publicidade de medicamento não se pode ter garoto-propaganda (personalidade).  

Conclui-se que, mesmo atualmente, com a existência de Resoluções, controle e fiscalização da ANVISA e do CONAR, as mensagens publicitárias de medicamentos continuam existindo. E medicamento de tarja vermelha, vendido sob prescrição médica, impossibilitado pela ANVISA em ter publicidade divulgada na mídia, quando feita por uma autoridade, como o presidente Bolsonaro, é permitida. Propaganda enganosa é ilegal, mas quando feita pelo presidente do Brasil, não tem punição? Foram seis meses de divulgação, diariamente, em todos os meios de comunicação, com testemunhais, promessas de curas de um medicamento que comprovadamente não funciona para a função divulgada. Quantos consumidores, fragilizados pela doença e pelo medo, podem ter sido levados ao erro? Uma propaganda massiva, sem qualquer restrição ou impedimento. O discurso acima do bem e do mal, do “Garoto Cloroquina” foi, sem dúvida, o maior caso de divulgação de medicamento na mídia.  
 
 


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