domingo, 28 de março de 2021

A presença do medicamento ético na mídia de massa. Propaganda ou Informação?

O presente artigo foi publicado por mim anos atrás. Nele já havia a intenção de analisar e entender o que era informação e o que era marketing. Leiam e tirem as conclusões.


Medicamento ético é aquele medicamento prescrito por médicos que, legalmente, não pode ser anunciado na mídia de massa, ficando a propaganda restrita apenas às publicações especializadas e, ainda assim, direcionada aos médicos através de propagandistas de laboratórios farmacêuticos.

Mesmo assim, é comum encontrarmos reportagens e matérias nas principais revistas semanais do país, destacando medicamentos de tarjas vermelha e preta, portanto controlados, como novos produtos no mercado. Como se remédio fosse mercadoria comum. Neste momento, vale uma reflexão. Até que ponto essas matérias estariam esclarecendo a população de uma nova descoberta da ciência para a cura de uma doença, ou simplesmente não estariam divulgando medicamentos controlados na mídia de massa a pedido da própria indústria farmacêutica, como uma estratégia de marketing?
Há um grande investimento por parte da indústria em pesquisas, mas também em marketing. Exemplo disso foi o Viagra, do laboratório Pfizer rendendo apenas em 2001, 1,3 bilhão de dólares. Na Pfizer, embora 90% do pessoal que conduz o desenvolvimento da pesquisa seja composto de cientistas, a equipe é chefiada por profissionais de marketing. 
Quanto à divulgação dos medicamentos, os medicamentos de venda livre podem anunciar na mídia de massa, o que não ocorre com os medicamentos controlados (de tarjas vermelha e preta) que não podem anunciar na mídia de massa, segundo Lei de Vigilância Sanitária nº 6360, de setembro de 1976, atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996.
Segundo a Resolução RDC nº 102/2000 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária, republicada em 1 de junho de 2001, os anúncios publicitários devem conter a "contra indicação" em língua portuguesa, de forma clara e precisa. Podendo ser feito de maneira igual ao do registro na ANVISA. Fica proibida a veiculação de propaganda, publicidade e promoção de medicamentos éticos, de venda sob prescrição (controlados), exceto quando acessíveis exclusivamente a profissionais habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos; na veiculação de propaganda e publicidade de medicamentos de venda sem exigência de prescrição devem constar da mensagem publicitária a identidade do fornecedor e seu endereço geográfico.
Medicamento não pode ser visto como produto comum, pois envolve a saúde de milhões de pessoas. Se é proibido, segundo a Resolução RDC nº 102/2000, sugerir que a saúde de uma pessoa pode ser prejudicada se não usar tal produto, como confiar em médicos que prescrevem apenas determinado medicamento?
No Brasil vende-se mais medicamento do que pão! Medicamentos de venda livre, também conhecidos como OTC e mesmo os éticos, que deveriam ser vendidos apenas sob prescrição dos médicos, são vendidos por telefone ou internet. E como se não bastasse a falta de fiscalização ou controle, o Brasil é considerado culturalmente, como a população que adora se automedicar, ou seja, toma desde o chá da vovó até analgésicos e antiinflamatórios disponíveis em farmácias e drogarias, além de ser considerado um dos maiores consumidores de ansiolíticos, onde 75% das mulheres são responsáveis por uso indiscriminado de tranqüilizantes. O número exagerado de lançamentos feitos ano a ano amplia as prateleiras e ao tratarem medicamentos como produto qualquer (às vezes prometendo efeitos irreais)

 


Informação ou Propaganda?

Considerados "pop stars" da indústria farmacêutica, Prozac, Xenical e Viagra são "rotulados" como: "Drogas de Comportamento", por serem destinados primordialmente a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Esses medicamentos atraem milhares de pessoas no mundo, geram verdadeiras minas de ouro aos laboratórios e estão presentes, de alguma forma, na mídia de massa.
O Viagra certamente revolucionou o mercado, muito mais até pelo marketing do seu fabricante, a Pfizer. Lançado em 1998, então sem concorrência, reinou absoluto, chegando a ser consumido em um ritmo de 4 comprimidos por segundo (Revista Veja, 19 de abr. de 2000, p84). Por ter uma venda controlada, pois só pode ser vendido sob prescrição médica, o Viagra passou a ser contrabandeado, tamanha procura pelo comprimido azul. Não foi à toa que fez parte da mídia, como notícia (talvez) mas com manchetes no mínimo apelativas "A pílula milagrosa", de 1 de abril de 1998, na Revista Veja. Ou na matéria de capa de 24 de maio de 2000, com a manchete "Sexo depois dos 40 - vaidade, vida mais saudável e a medicina ajudam homens e mulheres na cama". Essa matéria mostra homens e mulheres praticando esportes, namorando e finaliza com o seguinte quadro: arsenal da meia-idade, onde existe uma lista de medicamentos para disfunção erétil, inclusive o Viagra, encabeçando a lista. Ainda na Revista Veja, a manchete "Super-remédios", com sentido de super-homem, salvador, tem em suas páginas internas uma pesquisa interessante sobre a evolução dos mais diferentes medicamentos, inclusive valorizando a pesquisa feita por cientistas durantes muitos anos. Ao lado, existe um quadro destacando alguns medicamentos, denominado-os como "estrelas", O Viagra aparece como a melhor pílula para disfunção erétil, por ser a primeira pílula contra impotência, aonde seu grau de satisfação chega a 80%. O uso da palavra "melhor" não parece indicado para quem deseja apenas informar e não divulgar, persuadir, fazer propaganda. Certo?
     
Cabe fazermos a seguinte reflexão: vale tudo para vender mais revistas, até mesmo comprometendo a saúde da população? Notícia ou matéria paga? Informação ou mais uma estratégia de marketing da indústria farmacêutica para vender mais e mais? Por que as leis não são cumpridas, falta boa vontade, fiscalização ou uma política efetiva nesse sentido?
São inúmeros fatores que fazem parte desse contexto, mas sem dúvida a falta de informação faz com que a população brasileira seja vítima da situação. A indústria farmacêutica, que investi milhões em pesquisas buscando a cura das pessoas, é a mesma que não mede esforços ao recorrer a todo tipo de marketing e propaganda para esvaziar as prateleiras das farmácias. Como se não bastasse o poder da indústria farmacêutica em altos investimentos de marketing, ela encontra como parceira a mídia de massa, que legitima, ao distorcer algumas informações, tornando-as sensacionalistas e divulga muitas vezes sem responsabilidade medicamentos a leigos, que não deveriam receber determinada informação sem orientação de um profissional da saúde.
O lucro a qualquer preço gera índices alarmantes de automedicação no Brasil e consequentemente, mortes por intoxicações.
O país está doente, não apenas pela pobreza, miséria, mas pela falta de fiscalização e muitas vezes, da boa vontade em se mudar o cenário existente no país.

Bibliografia

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