Antigamente, lá no começo da publicidade no Brasil, os responsáveis pela criação, não eram redatores nem diretores de arte, até porque não havia faculdade de Publicidade, fato que ocorreu muito depois, na década de 1950.
Quanto à origem da criação publicitária no país, a história registrada em livros aponta para a arte e a literatura. Ricardo Ramos, escritor e historiador sobre publicidade no Brasil, afirma em seus livros que foram muitos os escritores, poetas, artistas plásticos e desenhistas que colocaram seu talento a serviço da publicidade.
Desde 1900 os poetas e ilustradores trabalhavam para a publicidade, elaborando anúncios em cartazes para bondes, jornais, outdoors e revistas. Ainda não havia publicidade em rádio (o rádio surgiu apenas no final de 1920) nem em televisão (que chegou em 1950).
Talentosos ilustradores como J.Carlos, K. Lixto e Julião Machado cuidavam da imagem do anúncio, enquanto os poetas Olavo Bilac, Emílio de Meneses, Hermes Fontes, Basílio Viana elaboravam os textos dos anúncios. Agência de publicidade, só mesmo em 1913, quando surgiu a agência Castaldi & Benatton. Semente daquela que seria considerada a pioneira das agências de publicidade no Brasil, A Eclética. Na época, Castaldi redigia anúncios, preparava layouts e foi, provavelmente, o criador do primeiro anúncio em cores em jornais, publicado no jornal “O Estado de S.Paulo” (CADENA, 2001, p. 41).
Grandes anunciantes, sobretudo do setor farmacêutico, já investiam na publicidade. A alemã Bayer destacou-se por seus anúncios originais. A empresa alemã rendeu-se ao ‘jeitinho brasileiro’ percebido nos textos dos anúncios. Era característica dos anúncios da Bayer, associar seus produtos às palavras original, puro, científico.
Em 1900, o logotipo da Bayer foi desenvolvido por Hans Schneider. A ideia surgiu da escrita do nome BAYER, uma vez na horizontal e outra na vertical, formando uma cruz. Inspirado no formato da Aspirina, em 1910, a assinatura foi envolvida por um círculo, que ajudava a impedir a venda de produtos falsificados, concedendo sinônimo de qualidade aos produtos da marca, identificados com o novo símbolo.
Décadas depois, a Bayer contou com o talento do escritor Bastos Tigre. Em 1922, durante a Semana de Arte Moderna, Tigre elaborou o slogan “Se é Bayer, é bom”, que imortalizado pela marca.
Monteiro Lobato é o exemplo de artista que fez muito sucesso na publicidade de Biotonico Fontoura.
Biotonico Fontoura surgiu em 1910, criado por Cândido Fontoura, na cidade Bragança Paulista, interior de São Paulo. Por volta de 1916, Fontoura, colaborador no setor de medicina do jornal “O Estado de S. Paulo” conheceu Monteiro Lobato, que escrevia artigos para o jornal. Um dia, adoecendo e fora de forma, Lobato recebeu de Fontoura a indicação do Biotonico. Tomou, ficou bem e, como retribuição ao amigo, escreveu um livro cujo personagem era Jeca Tatuzinho. Tatuzinho, caboclo pobre, morava em uma casinha de sapé, vivia na pobreza e tinha mulher e filhos, magros e tristes. Quando a família tomava Biotonico Fontoura, ficava forte e bem disposta (TEMPORÃO, 1986, p. 58).
A história se popularizou e fez um grande sucesso. Além de alavancar a venda do medicamento, já havia vendido 10 milhões de exemplares do livro, em 1941 (ibid.).
Lobato passou a redigir e ilustrar um almanaque que continha orientações fundamentais sobre saúde e higiene. Baseado em histórias e exemplos educativos, divulgava os preceitos sanitários, utilizando mensagens simples e de fácil compreensão. Ao utilizar a linguagem popular, fato pouco comum na época, a linguagem publicitária passou a evoluir consideravelmente (JESUS, 2008).
Lobato chegou a colaborar com o Instituto Medicamenta e, como sabia desenhar, desenvolveu um novo rótulo para o Biotonico Fontoura (medicamento que ainda existe, com pequenas alterações em sua composição e o rótulo pouco se modificou).
O que Monteiro Lobato fez pela publicidade brasileira, principalmente para o Laboratório Fontoura, é um verdadeiro patrimônio histórico.
A relação de Lobato com a publicidade não foi apenas para Biotonico. Sem recursos para custear a publicação de seu livro “O Sacy Pererê”, Lobato recorreu a patrocinadores, e a obra passou a ter, na sua abertura, quatro anúncios ilustrados por Voltolino vendendo: máquinas de escrever Remimgton, chocolates Lacta, cigarros Castelões, Caza Stolze, de artigos fotográficos e, no fechamento, mais três: Casa Freire, louças e objetos de arte, Chocolate Falchi e Bráulio & Cia, drogaria e perfumaria. Foi, provavelmente, o primeiro merchandising da publicidade brasileira. Os produtos eram oferecidos pelo personagem Sacy, que aparece em situações irreverentes e assustadoras (CARRASCOZA, 1999, p. 65).
Quando não buscavam uma recompensa financeira, escritores e ilustradores queriam, pelo menos, o reconhecimento. Alguns se sentiam constrangidos por serem escritores e atuarem em textos comerciais, outros aproveitaram a oportunidade de publicar anúncios, ganhar para isso e divulgar sua literatura. “Décio Pignatari, começou sua experiência publicitária pela Grant Advertising. Certamente havia um indisfarçável conflito entre o concretista inovador e as peias da agência, cerceadoras da criação livre.” (CASTELO BRANCO, 1990, p.14).
A Companhia de Annuncios em Bonds surgiu em 1927 e no ano seguinte contratou os artistas plásticos poloneses recém-chegados ao país: Henrique Mirgalowsky (o Mirga) e Bruno Lekowski, contemporâneos de Fritz Lessin. Mirga foi considerado um dos maiores diretores de arte de todos os tempos na publicidade brasileira. Falecido na década de 1960, na verdade Mirga foi mais ilustrador do que diretor de arte. Outros nomes passaram pela Bonds: Oswaldo Morgantetti, Ceslau Rommaszo, João Cardaci, Humberto Pace, Ivo Araújo, Rubens Vaz, José Luiz Guida, Domingos Braga, Otilo Polato e Henrique Zwilbergerg (MARCONDES; RAMOS, 1995, p. 63).
No final da década de 1930, a propaganda começou a se profissionalizar, por meio de novas agências e trabalhadores que migravam de outras áreas. A agência Lintas trouxe da Inglaterra o diretor de arte Jim Abercrombie, que passou a atuar com o brasileiro Rodolfo Lima Martensen e com outros profissionais ingleses: John Maurice Mason e Gerald Stevens (CADENA, 2001, p. 90).
Segundo Ramos e Marcondes (1995, p. 61), muitos encontraram realização profissional em agências brasileiras: Antônio Nogueira, Mário Mello, Hélio Silveira da Mota, Júlio Cosi Júnior, Domingos Barone, Oswaldo Alves, Abel Guimarães, Caio A. Domingues, Alberto Silva e Sérgio Graciotti.
Em 1950, redação e arte eram separadas. A ilustração era o principal recurso dos anúncios, demandando artistas plásticos. Os layouts eram 100% feitos à mão, requisitando habilidades artísticas, técnicas específicas e acabamento. Poucos ainda tinham esse domínio.
Ainda nos anos 1950 começaram a surgir as primeiras tentativas de dupla de criação: Domingues e Eric Nice; José Zaragoza e Petit, em parceria com José Kfouri. Também nesse período surge a primeira faculdade de propaganda, hoje conhecida por ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing (JESUS, 2014, p. 37).
No início da década de 1960, plantou-se a semente da DPZ. Os sócios catalães Francesc Petit e José Zaragoza e o brasileiro Ronald Persischetti queriam fazer um trabalho afinado com a semiótica, propagada por Umberto Eco, aonde o design assumia a maior expressão da linguagem (JESUS, 2008). Petit e Zaragoza, junto a Duailibi, fundaram a agência DPZ, um celeiro de talentos, por onde passaram os principais profissionais de criação: Neil Ferreira, Washington Olivetto, Nizan Guanaes (ibid.).
Neil era do tempo em que ainda não havia faculdade de Publicidade. Vindo do jornalismo, Neil se estabeleceu na publicidade, como redator publicitário.
Dentro da área de criação, depois dos respeitados profissionais de Atendimento, os redatores pelo menos ficavam em salinhas, embora minúsculas. Melhor do que os diretores de arte da época, conhecidos como layoutmen, que trabalhavam no porão.
Os layoutmen, muitos vindos das gráficas, tinham sido convocados por falta de gente especializada. Mas eram considerados meros ilustradores, já que as ideias pertenciam aos redatores, os intelectuais da agência, que, determinavam o conteúdo da ilustração. Portanto a ilustração dos anúncios era como uma legenda visual. Ainda não havia a complementaridade entre título e imagem, como o que é visto atualmente.
Mas não era o que acontecia com diretores de arte como Petit e Zaragoza, vindos da Escola de Belas Artes de Barcelona, a mesma de Picasso e Miró. Os dois eram europeus, carregavam bagagem cultural e por isso muito respeitados.
Finalmente a criatividade integrou redação à direção de arte, mostrando uma acentuada evolução criativa. As agências brasileiras se beneficiaram: Alcântara Machado, Denison, Norton, CIN, Mauro Salles, MPM, P.A. Nascimento, DPZ, Proeme, Aroldo Araújo, Benson (RAMOS; MARCONDES, 1995).
Em 1965, já com os meios de comunicação consolidados e as duplas de criação com mais experiência, surgiu o Clube dos Diretores de Arte, o que seria anos depois o Clube de Criação.
A agência MPM se espalhou pelo país, nas principais capitais. Agências e produtoras firmaram parceria, realizando trabalhos como o Garoto Bom Bril, interpretado por Carlos Moreno que imprime uma linguagem única na propaganda, criada por Petit e Olivetto e produzida por Andrés Bukowinsky (CADENA, 2001, p. 187).
Em todo o país, as agências proliferaram. Ainda que São Paulo fosse o polo irradiador, não só as agências como também os meios de comunicação regionais passaram a assumir importante papel (JESUS, 2014, p. 38).
Entre as décadas de 1970 e 1980, cresceu o número de agências: CBBA, Fischer & Justus, DM9, Giovanni, Ítalo Bianchi, Módulo, Símbolo. Despontaram, também, profissionais pertencentes a elas: Ercílio Tranjan da Denison, Julinho César Xavier da Almap, Sérgio Graciotti da MPM, Jaques Lewkowicz da Caio Domingues, Clóvis Calia da Proeme, Rogério Steinberg da Estutural, Agnelo Pacheco da Norton, Cláudio Carillo da McCann, Lula Vieira da SSCB&Lintas, Alberto Dijinishian da JWT, Raul Cruz Lima da Salles e Herberto Klaus Isnenghi da Denison (CADENA, 2001, p.190).
Neste período, Oswaldo Miran consagrou-se como grande ilustrador, chegando a ganhar prêmios. Washington Olivetto, Eduardo Fischer e Nizan Guanaes passaram a ser conhecidos e reconhecidos como grandes criadores. As mulheres também ocuparam um lugar importante na publicidade, inclusive na criação: Helga Miethke, pela JWT; Magy Imoberdorf, pela Lage, Stabel & Guerreiro; Christina Carvalho Pinto, pela CBBA; e Ana Carmem Longobardi, pela McCann e MPM (ibid.).
Uma vez fixado o conceito de duplas, a agência DDB fez escola, contrariando o conservadorismo de nomes seguidos nos Estados Unidos: Claude Hopkins, Raymond Rubicam e Leo Burnett.
A DDB foi seguida por agências como: Alcântara Machado, Proeme e DPZ, depois a Norton, com a contratação de talentos, como: Neil Ferreira, José Jarbas de Souza, José Fontoura da Costa, Aníbal Gustavino e Carlos Wagner de Morais (ibid, p.162).
As duplas não pararam mais de compor ideias e acrescentar momentos à história. Cabia à dupla, inclusive, a criação de slogans. O slogan “uma boa ideia”, de 1978, para a aguardente 51, é de Maggy Imobedorf e Joaquim Pereira Leite.
Da AlmapBBDO, Marcello Serpa, considerado um dos melhores diretores de arte do mundo, é o brasileiro mais premiado no Art Directors Club de Nova York. Pertence a ele o primeiro Grand Prix da América Latina no Festival de Cannes, em 1993 (JESUS, 2014, p. 41).
No livro “Criação Publicitária - conceitos, ideias e campanhas”, consta que Serpa chegou a procurar Olivetto em busca de oportunidade, querendo lhe mostrar seu portfolio. Porém Serpa não foi contratado. Olivetto considerava Serpa muito sofisticado e não tinha verba para contratá-lo na época. Depois, lamentou muito por não ter trabalhado com um dos melhores diretores de arte do país. Serpa supôs que Olivetto não via com bons olhos um brasileiro recém-formado na Alemanha, diretor de arte da GGK, enfim, um gringo brasileiro (JESUS, 2014).
No mesmo dia Serpa foi contratado pela DPZ. Depois trabalhou na DM9 e na Almap. Dentre as suas crias, destacam-se a campanha "Umbigo", para o Guaraná Antarctica que lhe rendeu o primeiro Grand Prix brasileiro, em 1993, quando ainda trabalhava na DM9.
No Brasil, são muitos os criativos da Publicidade. Criativos são os revolucionários das ideias. A nova geração de criativos brasileiros está espalhada pelas agências do mundo.
São diretores de arte que, juntos ao redatores, fazem da criação publicitária brasileira motivo de orgulho para o país. Não é à toa que o Brasil é o celeiro de profissionais talentosos, com ideias brilhantes e vários prêmios internacionais.
A história da criação publicitária brasileira, cujo protagonistas foram poetas e artistas, é o exemplo de que a criação atual é o sucesso que é, por ter herdado traços, esboços, palavras e movimentos elaborados por poetas, escritores, ilustradores e artistas plásticos brasileiros.
Considerações finais
Desde o início da publicidade brasileira, era necessário alguém que pudesse escrever bem os anúncios publicitários e alguém que pudesse ilustrá-los. Como não haviam especialistas nas funções, tampouco faculdade de publicidade, coube ao redator emprestar suas belas palavras e rimas para escrever os anúncios. assim como coube ao ilustrador, fazer os primeiros desenhos para os anúncios.
Assim, com o passar dos anos, surgiram as duplas de criação, já no ambiente das agências de publicidade. Inicialmente os redatores elaboravam os textos, para só depois de prontos receberem imagens, elaboradas por diretores de arte.
Até que ambos começaram a conceber as ideias juntos e elaborarem anúncios e campanhas. E é assim que funciona a dupla de criação na maior parte das agências de publicidade do mundo.
A história da criação publicitária brasileira não deixa dúvidas em como foi importante para os dias atuais e o verdadeiro sucesso nas campanhas, a herança na arte.
O que começou com artistas plásticos e ilustradores, passou pelos layoutmen, é hoje direção de arte, uma profissão respeitada e bem remunerada. Muitos diretores de arte, são também diretores de criação, como Marcelo Serpa.
Referências
CADENA, N. V. Brasil – 100 anos de propaganda. São Paulo: Referência, 2001.
CARRASCOZA, J. A evolução do texto publicitário. São Paulo: Futura, 1999.
CASTELO BRANCO, R; MARTENSEN, R.L.; REIS, F. História da propaganda no Brasil. São Paulo: TA Queiroz, 1990.
JESUS, P R C. Os Slogans na Propaganda de Medicamentos. Um estudo transdisciplinar: Comunicação, Saúde e Semiótica. 2008. Tese (doutorado). São Paulo. PUCSP.
_____________. Criação Publicitária - conceitos, ideias e campanhas. São Paulo: Mackenzie, 2014.
RAMOS, R.; MARCONDES, P. 200 anos de Propaganda no Brasil. São Paulo: Meio e Mensagem, 1995.
TEMPORÃO, J. G. A propaganda de medicamentos e o mito da saúde. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
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