Quando me propus a participar do ALAIC 2018 em Costa Rica, ponderei sobre a importância de
inscrever um trabalho que pudesse contribuir com informações e reflexões na
minha área de pesquisa. São vinte anos dedicados à pesquisa e publicações a
respeito do Consumidor e da Publicidade de Medicamentos no Brasil.
O texto a seguir é um recorte do trabalho publicado e apresentado durante o Congresso.
Consumidor idoso no Brasil
Idoso? Pessoa idosa?
Velhice? Terceira idade? Melhor idade? Pessoas longevas? Afinal qual
a melhor palavra ou termo para se referir ao consumidor acima dos 60 anos?
Em 1963, a Organização Mundial de Saúde, fez uma divisão das faixas etárias,
considerando meia idade: 45 a 59 anos; idosos: 60 a 74 anos ; anciãos: 75 a 90
anos e velhice extrema: 90 anos ou mais (Portal Jus, 2004).No presente
texto será utilizada a palavra ‘idoso’, uma vez que é a que mais se apresenta em
publicações que se referem a pessoas acima de 60 anos.O estudo se
justifica porque no Brasil o crescimento de idosos é consideravelmente grande.
Consequentemente o aumento do consumo de medicamentos também.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a
estimativa populacional do Brasil conta com 207 milhões de habitantes. Um
índice importante é que em menos de uma década, o Brasil aumentou em 8,5
milhões o número de idosos.Ou seja, a população acima dos 60 anos de idade deve passar de 14,9
milhões (7,4% do total), de 2013, para 58,4 milhões (26,7% do total) até 2060,
devido ao contínuo aumento da expectativa de vida (Portal Conselho Federal de
Farmácia, 2016).De acordo com o Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde,
divulgado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), “uma criança nascida em 2015
no Brasil ou em Mianmar, pode esperar viver 20 anos mais que uma criança
nascida há 50 anos”. Inclusive no país, o número de pessoas com mais de 60 anos
deverá crescer muito mais rápido que a média mundial.O Estatuto do Idoso (Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003) completou 14
anos e é considerado um marco jurídico para a proteção da população idosa
brasileira.A questão do envelhecimento está presente em todas as sociedades e
necessita de medidas que assegurem os “direitos do idoso” ou a “proteção à
velhice” que estão situados, principalmente, entre os direitos sociais. Constam
dos Planos de Ação Internacionais para o Envelhecimento (ONU 1982/2002)
objetivos que recomendam às autoridades dos diferentes países adotar medidas de
apoio às pessoas idosas, tanto no campo jurídico como na implementação de
políticas sociais, devendo ainda seguir as três linhas prioritárias que são:
pessoas idosas e desenvolvimento; saúde e bem-estar na velhice e entorno
propício e favorável.Nas décadas
anteriores, o idoso era apresentado e representado negativamente, com dependência
total e isolamento. Era comum a mídia apresentar o idoso de maneira dramática
ou por meio da comicidade.Infelizmente, por anos o Brasil ignorou a sua população idosa, se apoiando
na imagem de um país jovem. Mas o fenômeno do envelhecimento é inevitável.
Porém a maneira de encarar a velhice mudou. “Cinquenta anos atrás, ser idoso
era completamente diferente de hoje, isso porque não se espera do idoso de hoje
uma atitude passiva diante da vida” (Zanchi, Zugno, 2012, p. 359).Em relação ao consumo, produtos e marcas parecem ainda estarem
despreparados, assim como estratégias de marketing e publicidade, para com o
idoso. Uma pesquisa pelo SPC (Serviço de proteção ao crédito) pela Confederação
Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) relatou que 67% dos idosos são os únicos
decisores sobre as compras que fazem, mas três em cada dez (34%) afirmam sentir
falta de produtos para a terceira idade (Portal M&M, 2016).
“É um
consumidor que nem todo mercado está preparado para tratar. As marcas se
preocupam com a geração atual e esquecem uma grande massa de pessoas que detêm
o capital e tomam as decisões”, avalia Marcos Callegari, diretor de projetos da
Escopo Geomarketing, empresa especializada em pesquisa de mercado. Os meios de
comunicação mais consumidos pela terceira idade são TV aberta (80%), rádio
(50%), TV por assinatura (45%) e internet (43%). Ente os conteúdos que
interessam este público estão novelas, filmes e saúde (Portal M&M, 2016).
Publicidade de medicamentos no Brasil
O consumo irracional de medicamentos do brasileiro só aumenta. O brasileiro
tem o hábito de se automedicar. Talvez por herança cultural, pela forte
presença da indústria farmacêutica no início da publicidade brasileira, pelo
alto índice de prescrição e, inclusive, escândalos da classe médica em parceria
com os laboratórios. É no consumo, na dependência, na fidelidade às marcas, que
a indústria farmacêutica investe. Não à toa, existem linhas de medicamentos
voltadas para todas as fases da vida: infância, adulto, velhice.
Segundo Nascimento (2005, p. 22), a exploração do valor simbólico do
medicamento, socialmente sustentado pela indústria farmacêutica, agências de
propaganda e empresas de comunicação, passa a representar um dos mais poderosos
instrumentos para a indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento
de seu consumo. “Os medicamentos passam a simbolizar possibilidades imediatas
de acesso não apenas à saúde, mas ao bem estar e à própria aceitação social.”
Quando se trata de compra de medicamentos, segundo pesquisa ACNilsen, o
brasileiro possui a maior frequência de compra de medicamentos OTC (over-the-counter -
vendidos sem prescrição médica) da América Latina. Mais da metade da população
do país compra esses produtos ao menos uma vez por mês. Do outro lado, gripes e resfriados têm um alcance ainda maior,
59% da população, com uma alta frequência nos primeiros anos de vida (0
a 5 anos) e destaque na faixa etária com mais de 56 anos, onde complicações
tendem a serem maiores.
Se medicamento é produto submetido às lógicas comerciais, fica difícil
controlar seu consumo, quem dirá seu autoconsumo.
O risco de consumo de medicamentos inadequados ou o uso irracional de
medicamentos, sobretudo os medicamenos vendidos sem prescrição médica em
farmácias, é alarmante no público idoso.
“Os idosos geralmente têm problemas de saúde e são incitados pela
publicidade a resolvê-los com a automedicação. Importa sublimar o grande número
de medicamentos em venda livre e estímulo irresponsável ao seu consumo.” (Lopes,
2000, p. 52).
Profissionais da saúde com foco na terceira idade sabem que
determinados medicamentos podem trazer riscos que superam os benefícios,
principalmente se consumidos nessa fase da vida. Para servir de alerta, a
Sociedade Americana de Geriatria atualizou a lista chamada de “Stopp-Start”,
cujo objetivo é divulgar os medicamentos que podem ser potencialmente
inapropriados para essas pessoas. No Brasil, o Instituto para Práticas Seguras
no Uso de Medicamentos (ISMP) reforçou a medida (Motta, 2017).
E é de olho no consumidor idoso e dos seus problemas de saúde que a
indústria farmacêutica está atenta.
É sabido que os problemas de saúde tendem a aumentar com a idade. Nas
mulheres, alvo fácil dos laboratórios, são medicamentos para TPM,
anticoncepcionais, hormônios na menopausa e medicamentos para tratamentos da
osteoporose. Portanto, em busca de qualidade de vida e de prevenção, existe
também o forte mercado das vitaminas e suplementos.
É lógico que o maior número de idosos significa crescimento no consumo de
medicamentos, já que doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, tendem a
surgir com o avançar da idade. As farmácias e drogarias são o principal canal
de dispensação de medicamentos, logo, não há crise capaz de frear o crescimento
do varejo farmacêutico, impulsionado por uma demanda natural.
O setor farmacêutico faturou entre abril de 2015 e início de 2016, 66
bilhões de reais, crescimento de 10% em relação ao período de um ano antes,
segundo dados do IMS Health, divulgados pela Associação da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o ano de 2016 fechou na casa de 69
bilhões de reais.
Em 2017, somente no primeiro semestre, foram comercializados 1,8 bilhão de
medicamentos. Em virtude do envelhecimento da população brasileira houve um
significativo aumento da expectativa de vida, esses fatores resultaram no
aumento da venda dos genéricos, de acordo com a Associação Brasileira das
Indústrias de Medicamentos Genéricos (ProGenéricos), com base em dados do IMS
Health.
Com isso, o IMS Health estima que o mercado farmacêutico brasileiro deverá
alavancar em uma década, de 10º para o 5º lugar em faturamento mundial, ficando
atrás apenas de grandes potências como Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.
Na publicidade brasileira é comum a presença de idosos como avós no
contexto das mensagens publicitárias, da velhinha engraçada que conversa com a
neta em filme publicitário para vender chinelos, ou da senhora que exige
determinada marca de presunto no supermercado, ou ainda de campanhas de vacinação
da gripe, do Ministério da Saúde.
Os idosos dificilmente são alvo de campanhas
publicitárias. Porém o idoso parece ser alvo fácil da publicidade quando o
assunto é saúde. São comuns as promessas de medicamentos, terapias, tratamentos
que visam protelar ou amenizar os efeitos da velhice. Nessa situação,
depoimentos, testemunhais, presença de celebridades com discursos persuasivos
ocupam espaço na mídia. Ainda é mais comum vermos os idosos na publicidade,
junto à família.
O idoso na campanha do
medicamento Benegrip Multi: o discurso da maturidade
O presente trabalho utilizou a pesquisa exploratória em livros e artigos
acadêmicos, assim como a pesquisa documental na mídia de massa: internet, TV,
revista e mídia exterior, em busca de material verbal, visual e digital da
campanha publicitária do medicamento Benegrip Multi, cuja protagonista foi a atriz
brasileira Nicette Bruno, de oitenta e cinco anos de idade.
A campanha publicitária do medicamento Benegrip Multi, lançada em 2015
foi amplamente divulgada pela mídia de massa e utilizou a atriz Nicette Bruno,
idosa, como protagonista, junto à sua família.
O medicamento Benegrip tem a função de
combater os sintomas de gripes e resfriados. A empresa Hypermarcas lançou a
campanha para promover a versão líquida de seu antigripal, o Benegrip Multi. O
medicamento é indicado a crianças a partir de dois anos de idade e aos idosos
ou adultos que possuem dificuldades para tomar comprimidos.
Por isso mesmo, a marca buscou transmitir sua mensagem publicitária por
meio de uma celebridade idosa, sua filha, também atriz, e suas bisnetas,
crianças.
Para representar o novo medicamento, a marca buscou a força de uma
verdadeira família brasileira, conhecida do público."Nicette Bruno e Beth
Goulart transmitem o sentimento de amor e conceito de família. Elas são
queridas pelo público, demonstram o carinho e a atenção que possuem uma com a
outra, além de serem muito respeitadas em seus trabalhos”, explica Vesper
Trabulsi, diretora de Marketing de Benegrip Multi.
A campanha contou com filme publicitário para TV, disponível no canal
Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=AEOf42KAEaI), spots em rádio, anúncios em revista e
mobiliário urbano. A marca também investiu em mídia digital.
Nos anúncios de Benegrip Multi, percebe-se nas figuras 2, 3 e 4,
mostradas anteriormente, a presença da família reunida, e a embalagem do medicamento
em primeiro plano. A cores verde e laranja são destacadas, sendo que a bisneta
de Nicette Bruno, também usa blusa laranja, a cor da marca. No relógio de rua,
a atriz protagonista da campanha aparece apenas sozinha, até porque o formato
menor do anúncio não permitiria a imagem da família. Mesmo assim a proposta da
embalagem em primeiro plano se mantém, como nas demais peças publicitárias da
campanha.
A palavra ‘novo’ aparece em destaque em todas as mídias, até porque
trata-se de lançamento do produto Benegrip Multi, versão líquida.
No discurso persuasivo do filme publicitário, a atriz Nicette Bruno, aparece
descontraída e animada. Brinca com a filha e as bisnetas enquanto apresenta o
produto (Portal da Propaganda, 2016).
A atriz idosa aparece em todas as peças publicitárias da campanha, uma
vez que é a protagonista e representa autoridade, sabedoria, ‘prescrição’. É
culturalmente comum no Brasil e em outros países a voz da experiência. Além da
credibilidade, o discurso da maturidade, experiência, é relevante nas famílias
brasileiras quando se trata de marcas de geração para geração, sobretudo quando
se trata de medicamentos.
Portanto, na campanha de Benegrip Multi prevalece o discurso da
maturidade, ou seja, a mãe, bisavó, madura e experiente ‘indica’ o medicamento
à família e ao telespectador, provável consumidor.
Segundo a experiente atriz, em entrevista, "Sempre usei Benegrip e
quando fui convidada pela marca para estar nesta campanha, aceitei na hora,
pois acredito no medicamento". Para a atriz Beth Goulart é sempre um
prazer trabalhar com a mãe. "É uma oportunidade maravilhosa lidar com a
sabedoria de vida e profissional da minha mãe. Nosso entrosamento é ótimo na
vida pessoal e no trabalho também. E isso é motivo de muita alegria pra
mim", afirmou Beth. (Brandão, 2015).
Embora a campanha, em especial o filme publicitário, retrate cenas do
cotidiano, trata-se de uma representação da atriz com sua filha e bisnetas.
Assim como acontece em novelas. Não se sabe ao certo se as atrizes e as
crianças consomem de fato o medicamento.
O fato é que a presença de celebridades na publicidade de medicamentos é
algo antigo. Ronaldo, Pelé, Kaká, Maitê Proença, Giovanna Antonelli, Reynaldo
Gianecchini, Hebe Camargo, Fausto Silva, Jô Soares, Marcius Melhem, são apenas
alguns nomes de famosos brasileiros, que já fizeram parte do discurso
persuasivo de celebridades em campanhas de medicamentos na mídia de massa.
Celebridade é uma pessoa amplamente reconhecida pela sociedade. A
palavra deriva-se do latim celebritas,
sendo também um adjetivo para célebre, alguém famoso. As agências de
publicidade e as produtoras têm um cuidado todo especial ao selecionar a
celebridade ao produto, não é diferente quando se trata de medicamento. Um dos
aspectos que levam em consideração é que a celebridade tenha imagem e
qualidades compatíveis com o produto e com a mensagem da campanha, assim como
nas características que ligam o garoto-propaganda ao produto.
A grande discussão está no fato da celebridade deixar apenas de assumir
um papel de interpretação e assumir o provável papel de agente da saúde, que
aconselha, indica e prescreve o medicamento. É incontestável que grande parte
da população brasileira atribui um poder de cura aos medicamentos, não
importando como o mesmo é consumido (automedicação). Por isso, a questão da
presença constante da celebridade em publicidade de medicamentos é polêmica.
Artistas recebem cachês altos para representar e não necessariamente para
testemunhar a verdade, fato que já torna o discurso suspeito. Mas a partir do
testemunho, a credibilidade do discurso persuasivo passa a ter força e, o
artista de televisão, com grande exposição na mídia, pode persuadir o
consumidor, levando-o à compra, ao consumo, muitas vezes imediato. Tal fato impulsivo
não deveria ocorrer no caso do medicamento. Por conta disso, o testemunhal de
celebridades, na publicidade de medicamentos, que antes era comum passou a ter
restrições e praticamente a inexistir no Brasil.
Desde 2009, segundo a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
em Resolução estabelecida em 17 de dezembro de 2008, dentre outras exigências,
o próprio ator que protagonizar o comercial do medicamento terá de verbalizar
as advertências.
Na campanha de Benegrip Multi, Nicette Bruno não faz testemunhal, mas
aparece segurando o produto, sugerindo que o usa e oferece à família e ao
telespectador. Também ao dar entrevistas, afirma que utiliza o produto. Ou
seja, as estratégias de marketing e da publicidade, tão presentes na indústria
farmacêutica, de alguma maneira se mantêm, mesmo com Resoluções estabelecidas
pela ANVISA, para controlar o consumo desenfreado de medicamentos no Brasil.
É o discurso da maturidade, onde os idosos estão inseridos, e que passa
a fazer parte da publicidade brasileira, cada vez mais.
Considerações finais e
reflexão
A longevidade ainda está um pouco distante da melhor idade. Com
problemas de saúde, os idosos brasileiros passam por diversas dificuldades
financeiras e sofrem com o descaso político e social no país.
Compreender o idoso, sob o ponto de vista apenas da idade, é não
compreender a complexidade da situação, sem considerar aspectos históricos,
culturais, psicológicos e sociais.
A indústria farmacêutica busca fidelizar o consumidor, seja pelo marketing,
publicidade ou dependencia química, preferencialmente do “berço ao túmulo”.
Porém é nos idosos que se percebe o mal que o medicamento lhe fez durante uma
vida.
Embora o mercado e a publicidade não tenham percebido a importância do
discurso da maturidade, o mesmo existe e timidamente se apresenta em campanhas.
Atualmente no Brasil, a publicidade tem utilizado os idosos em campanhas na
mídia de massa, inclusive para dialogar com os jovens. A indústria farmacêutica
tem apresentado campanhas na mídia, utilizando celebridades idosas, como
Nicette Bruno, famosa atriz de oitenta e cinco anos, protagonista da campanha
Benegrip Multi.
A presença da atriz com a filha, netas e bisnetas, representando a união da
familia, demonstra o quanto é importante o discurso da maturidade, sobretudo
para o idoso, que vê no medicamento à busca pela cura, e na família, o caminho
mais seguro para uma vida melhor.
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