A
publicidade de medicamentos, de venda livre, ou seja, de medicamentos isentos
de prescrição médica, utiliza desenhos como abelhinhas e ovelhas, verdadeiros
personagens de desenhos animados, para vender analgésicos e xaropes.
Uma
vez que na publicidade de medicamentos existem várias restrições, dentre elas
não poder mostrar pessoas consumindo o medicamento tampouco utilizar
imperativos: use, compre, tome, a animação tem sido um recurso visual bastante
utilizado.
A
animação sempre foi bastante utilizada no universo do público infantil. As
crianças em faixa etária menor de sete anos, geralmente não distinguem se a
animação é publicidade ou não. Com isso podem desejar o que nem sempre é
voltada a elas.
Se
medicamento deve permanecer longe ao alcance das crianças, como consta na
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela publicidade
de medicamentos no país, o que justifica o enorme número de elementos infantis
nas mensagens publicitárias de medicamentos?
O
insistente discurso de liberdade de expressão de alguns publicitários, na
verdade se aproxima mais do uso de estratégias persuasivas impensadas ou, o
pior, bem pensadas, onde o importante é persuadir, não importa quem nem como.
Não se trata de censura, mas sim responsabilidade. Medicamento leva ao erro se
consumidor sem racionalidade, fato real no Brasil. A falta de cuidado ao
propagar aos adultos ou crianças, promessas de cura, incentivo ao consumo, até
mesmo simpatia ao produto, no caso medicamento, só contribui com a
automedicação, desenfreada e descabida.
Não
se trata de atribuir culpa à publicidade, até porque a publicidade não pode ser
responsabilizada pelos danos gerados até aqui à população que consome
medicamentos de modo desenfreado e irracional, mas sim de cobrar o cuidado e a
ética nas intenções exageradas que ainda existem na publicidade de
medicamentos, sobretudo quando utilizam crianças e são voltadas elas.
Durante
o texto, as campanhas dos medicamentos Naldecon e Melagrião que utilizam
desenhos animados e imagens lúdicas na publicidade serão observados, assim como
os aspectos persuasivos e éticos.
Criança e Publicidade
Segundo Strasburger (2011, p.66), “muitas
empresas, como o McDonalds e a Coca-Cola, se engajam no que é chamado de
marketing “do berço ao túmulo”, num esforço para cultivar a fidelidade do
consumidor desde uma idade muito precoce.”
Segundo Montigneaux (2003, p. 35), até
mais ou menos oito anos de idade, a criança
adquiri a capacidade de representar qualquer coisa que lhe seja conhecido
e que passa a ter um significado, ou seja um nome ou imagem. Graças a isso é
que a linguagem pode se desenvolver na criança.
Na ‘lógica’ da criança
funciona mais ou menos assim: a criança repetidamente vê no filme publicitário
um personagem animado, alegre, brincalhão! Em seguida vê nas revistas que a mãe
compra ou assina. Vê e interage com o personagem na internet. O personagem em
todos os momentos aparece ao lado do produto. Para ela, o personagem é um amigo
que lhe oferece algo bom. Ela quer o produto, pois entende que jamais o produto
de um amigo lhe fará mal. A criança consome em algum momento da sua vida e
continua a associar o produto e o personagem a coisas boas para sua vida. Em se
tratando de uma publicidade de medicamentos, existe o agravante do produto nem
sempre fazer bem (o medicamento têm contra-indicação), além de levar ao uso
contínuo ou dependência química.
Atualmente a presença da criança no mundo
adulto é total. A criança não apenas se veste como adulto, manipula aparelhos
tecnológicos como adulto, como também conversa e age como adulto. Tais mudanças
sociais e culturais passaram a fazer parte da mídia de massa
imediatamente.
Assim como já acontece
com a questão da alimentação, pode acontecer com os medicamentos. Um
estudo realizado na Universidade de Yale Rudd Center para Política Alimentar e
Obesidade, em Connecticut, nos Estados Unidos aponta alguns vilões da
alimentação das crianças: os personagens de desenhos animados. De acordo com o
resultado da pesquisa, mais de 50% das crianças acham que um produto que tem a embalagem
decorada com personagens animados é mais gostoso que o mesmo produto embalado
em um pacote sem ilustrações. Entre 73 e 85% das crianças que participaram do
estudo disseram preferir comer um produto com embalagem de seu desenho favorito
a um lanche saudável. Os pesquisadores trabalharam com 40 crianças com idades
entre quatro e seis anos de idade. De acordo com dados do estudo, nos Estados
Unidos, as empresas de alimentos e bebidas investem cerca de US$ 1, 6 bilhão
para atrair a atenção das crianças para seus produtos (Portal Época).
Os
personagens aparecem em embalagens de produtos há décadas. Eles estão nos
brinquedos, pacotes de balas, doces e bolachas e as crianças vivem desde muito cedo no mundo das imagens. Imagens são
preciosos recursos visuais voltados à publicidade infantil, nas diversas
mídias: TV, revistas, internet, games, celular, embalagens, entre outros. Segundo
Batista; Rodrigues “As imagens são memorizadas e associadas às outras
impressões do momento e provocam reações para entrar na vida racional.” (www.intercom.org.br).
As estratégias
publicitárias têm sido cada vez mais sofisticadas e rápidas para influenciar as
crianças. Portanto, o que antes era concentrado em mensagens televisivas,
atualmente ocupa também jogos e aplicativos em celular.
Segundo Strasburger
(2011, p. 65), cada vez mais as crianças influenciam nas compras dos seus pais.
Essa atitude tem levado a publicidade reconhecer que as crianças de hoje
representam os consumidores adultos de amanhã. Sendo assim, investir em crianças
seria o mesmo que garantir um consumidor fiel no futuro.
A publicidade caracteriza-se
por sua intencionalidade. De um lado a marca objetiva à venda e à lembrança do
produto. Do outro, o consumidor, com suas necessidades, vontades e angústias
recorre à compra das marcas.
Isso parece ser
bem claro. Mas quando envolve criança, consumo de medicamento, não pode ser
encarado com tanta naturalidade. As crianças estão consumindo cada vez mais e
mais cedo, medicamentos, sem saber o que estão fazendo.
Segundo Bahri, em uma conferência
realizada na Índia, em 2013, contatou-se que mais da metade dos meninos e
meninas americanos e europeus usam analgésicos todo mês para tratar dores de
cabeça. Para Bahri, é na adolescência que se formam os hábitos de saúde (Portal
Istoé).
De acordo
com o Sistema de Vigilância e Acidentes do Ministério da Saúde, a ingestão
acidental de medicamentos corresponde a 50% dos acidentes domésticos envolvendo
crianças de até nove anos (www.propmark.uol.com.br).
Ou seja,
são vários os motivos para não aproximar criança de medicamentos em hipótese
alguma.
No Brasil tornou-se comum uma prática muito
prejudicial à saúde, a ‘autoprescrição’, a automedicação. De fato, as pessoas
consomem medicamento sem saber o que estão consumindo e indicam aos outros,
como detentores de um conhecimento que verdadeiramente não têm.
Trata-se de uma herança cultural, mas também do
incentivo constante da publicidade ao longo da história da publicidade
brasileira. Com isso, o país ocupa a 5ª posição em um ranking de países cuja
população se automedica. O consumo irracional de medicamentos leva às pessoas à
intoxicação e, muitas vezes, ao óbito.
Um teste feito por técnicos de farmácia analisou o
comportamento do público distribuindo 4.000 caixas de medicamentos fictícios.
Oitenta e cinco por cento não perguntaram nada, 15% se interessaram em saber
qual a indicação do remédio e menos de 1% questionou se havia alguma contra
indicação (Portal TV Cultura).
No Brasil, a venda de medicamentos sem prescrição, nas
farmácias e drogarias, é liberada para alguns tipos de medicamentos, como, por
exemplo, para febre, dores e anti-inflamatórios. A maioria das farmácias não
dispõe de informações de prevenção para alertar sobre os riscos do medicamento.
Em relação ao
consumo de medicamentos, é importante entender que medicamento é
bem de saúde e não mercadoria qualquer. Por isso mesmo, a propaganda de
medicamentos segue regras impostas pela ANVISA e pelo CONAR.
Para Nascimento
(2005, p. 22), a exploração do valor simbólico do medicamento, socialmente
sustentado pela indústria farmacêutica, agências de propaganda e empresas de
comunicação, passa a representar um dos mais poderosos instrumentos para a
indução e fortalecimento de hábitos voltados para o aumento de seu consumo. “Os
medicamentos passam a simbolizar possibilidades imediatas de acesso não apenas
à saúde, mas ao bem estar e à própria aceitação social.”
Análise
O
xarope Melagrião existe há mais de setenta anos e é um dos três xaropes mais
vendidos no Brasil. O xarope pertence ao Laboratório Catarinense, que atua na
área farmacêutica comercializando medicamentos vendidos sem prescrição médica.
Na campanha, o filme utilizou como recurso
persuasivo o personagem animado, ou seja as abelhinhas falantes. O filme
publicitário de Melagrião (disponível no YouTube, em https://www.youtube.com/watch?v=r8L7xKQgG6E).
O filme foi veiculado na versão de 30 segundos na televisão na Globo,
Rede TV, Band e no Cartoon Network, o que evidencia a intenção de atingir o
público infantil.
O campanha
foi elaborada pela agência Exit Comunicação Estratégica, de Joinville. O
tema é “Já viu abelha com tosse?”. O
destaque foi para as abelhas e o principal componente do produto, o mel. A
campanha contou também com a criação de uma abelha de pelúcia que foi entregue
aos clientes. Provavelmente o bicho de pelúcia tinha endereço certo, as
crianças. A campanha foi exposta nos mais de cinco mil pontos de vendas em todo
país.
O
filme desperta a atenção do telespectador infantil. Feito em animação 3D, mostra
um grupo de abelhas voando sobre o campo quando de repente, ouve-se o som de tosse.
O grupo investiga e descobre um intruso vestido de abelha, no caso um vagalume,
que pretende saber o segredo de como acabar com a tosse. A abelha-chefe lhe dá
o xarope Melagrião que cura a tosse, e assim o intruso é acolhido pelas abelhas
(www.portaldapropaganda.com.br).
Segundo Blessa (2008, p. 48), a grande
luta para atrair o consumidor de medicamentos de venda livre se faz pela
indústria farmacêutica no ponto de venda, uma vez que a venda livre não depende
de prescrição e, portanto, se faz diretamente e por livre escolha nas
farmácias. Para a autora (ibid, p. 187), a ação no ponto de venda tem que ser
cada vez mais comportamental, pois nesse ambiente a guerra da comunicação é
grande e boa parte da verba publicitária é destinada a ele. O ponto de venda é
o local onde o produto estará ao alcance dos consumidores. O merchandising é
uma ferramenta fundamental para atrair e conectar os possíveis consumidores,
potencializando no ponto de venda a vontade de compra. Para tanto, as ações são
diversas: do folheto de ofertas do estabelecimento, sacola para embalar
compras, display ou faixa de gôndola destacando o medicamento às práticas
diferenciadas premiando para vender determinado medicamento. Ainda segundo a
autora, os materiais que mais funcionam em farmácias são: cartazes de ofertas
de preços; wobbler e stopper; faixas de gôndola; bandeirolas; ilhas; móbiles;
topo de ilha; adesivos de chão; folhetos; take one; adesivos de vitrine.
Considerações Finais
Projetos, Leis, Resoluções, fiscalização,
intenção enfim, são muitas as pressões para que não existam mais abusos por
parte da indústria farmacêutica, em suas mais diversas estratégias de marketing
e campanhas publicitárias. Tais estratégias estão sempre presentes no discurso
publicitário, discurso que se utiliza de recursos verbais, visuais e sonoros
recheados de intenções persuasivas. São mensagens persuasivas expostas na mídia
de massa e no ponto de venda, e ocupam cada vez mais os aplicativos presentes
em celulares.
Embora
existam restrições na publicidade de medicamentos, dentre elas não poder
mostrar pessoas consumindo o medicamento tampouco utilizar imperativos: use,
compre, tome, a animação tem sido um recurso visual bastante utilizado.
A
animação sempre foi bastante utilizada no universo do público infantil. No
trabalho, a animação aparece em duas campanhas de medicamentos: Naldecon e
Melagrião que utilizam desenhos animados e imagens lúdicas na publicidade, em
princípio para atrair adultos, mas com forte apelo infantil.
Se
medicamento deve permanecer longe ao alcance das crianças, como consta na
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela publicidade
de medicamentos no país, não deveriam existir elementos lúdicos nas mensagens
publicitárias de medicamentos.
Embora medicamento não seja produto qualquer,
muitas vezes é tratado na publicidade como tal. A publicidade de
medicamentos utiliza recursos persuasivos diversos para que o consumidor
sinta-se atraído pelas marcas de analgésicos, xaropes, pastilhas, enfim, para
que o consumidor seja fiel ao medicamento. O uso do elemento infantil, lúdico,
aparentemente ingênuo, como personagens animados, mascotes, na publicidade de
medicamentos, desperta a atenção também das crianças. A partir do momento que a
publicidade de medicamentos passa a atrair crianças, por meio das mensagens
persuasivas, é preocupante. Aos olhos da lógica comercial, a criança seria
então o consumidor de determinado produto, no caso o medicamento no futuro. Porém,
medicamento gera dependência, que leva à intoxicação, que pode levar à morte.
Nesse
sentido, não faz mais sentido o discurso de liberdade de expressão de alguns
publicitários. A falta de cuidado ao propagar aos adultos ou crianças,
promessas de cura, incentivo ao consumo, até mesmo simpatia ao produto, no caso
medicamento, só contribui com a automedicação desenfreada do brasileiro.
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